quinta-feira, 16 de abril de 2009

O livro (parte 7)

É domingo. Dia ensolarado...Daqueles em que o sol queima as ruas e calçadas e nos sentimos acolhidos numa sombra gigantesca de uma árvore.
Jonas liga para um amigo de faculdade e combina de irem a um clube próximo a sua casa. Pega sua mochila, põe nas costas e segue andando pelas ruas do bairro.
Inevitável, a rua da solidão é seu trajeto diário para o trabalho e para a faculdade. É por ela que ele anda neste momento para ir ao clube também. Anda calmamente recordando o dia de chuva em que viu aquela moça na janela. Ele vê o portão abrir, em seguida sai um carro... Não dá pra ver nitidamente quem dirige pelo ângulo em que ele está, mas dá pra notar que é mulher pela mão posta para fora. Nota um anel de pedra verde, bem marcante pela sua forma e seu tamanho. Ele tenta olhar pra dentro do carro na tentativa de vê-la...Quer ver seu rosto. Isso o deixa inquieto. Mas não há tempo. Lá se vai a mulher da janela de vidro sem que seja dado a ele uma chance de matar sua curiosidade. Se vai sem saber da existência de Jonas.
Logo depois chega ao clube, encontra seu amigo, a quem conta sobre tudo o que aconteceu. Seu amigo acha tudo muito confuso e curioso. Mais tarde revela já ter sonhado com pessoas que nunca viu antes na vida e que logo depois as viu em diversos lugares e situações. Jonas fala ao amigo que não tem costume de sonhar, mas que esse sonho o deixou perturbado por tantas coincidências.

- Parecia muito real. Só percebi que tudo era irreal quando vi a data do jornal e me dei conta de que não poderia estar nesse parque durante o dia.

- E você já esteve no parque antes?

- Sim, uma vez à noite. Fui sozinho...fiquei pouco tempo lá depois voltei para casa.

- E esse livro? O que pretende fazer com ele? Desconfia de quem o deixou na sua porta?

- Não canso de ler este livro, é envolvente. Pretendo devolver, mas devolverei a quem? Sequer imagino quem será o dono ou dona dele. Nem há rastros. Há somente um bilhete que marca um encontro com alguém em um lugar indefinido.

- Jonas, tenta esquecer um pouco isso. Você parece estar em um outro mundo. Precisa se distrair. Vamos jogar tênis?

- É, você tem razão... Mas ela era linda! (..) Vamos... mas já sabe que irá perder!

- Hahaha. Apaixonado por alguém que não existe. Você é um louco! E eu nunca perco de você, esqueceu-se disso!?

- Hahaha, devo estar realmente louco!

Horas depois Jonas volta para casa, exausto. Há tempos não se divertia tanto!
Passa de propósito pela rua sombria e calma na esperança de ver a mulher, inutilmente. Não há ninguém na casa, não há carro na garagem, nem luzes acesas.

Chega em casa, toma um demorado banho, ainda de toalha senta-se à mesa, toma uma xícara de café e então se recolhe.

(continua)...

terça-feira, 7 de abril de 2009

O livro (parte 6)


O céu está nublado. Rua escura, casas fechadas... Não há ninguém ali além de Jonas sentado no meio fio. Ele se sente só, mas não reclama. Gira seu anel no dedo, tira..., põe de novo..., amarra o cadarço do sapato, enfia as mãos nos bolsos como se procurasse algo. Não há muito o que se fazer na rua da solidão. Ele já nem procura entender mais nada do que aconteceu, está crente de que realmente tivera um sonho. Um sonho absurdo, mas apenas um sonho. E o fato do livro parar em suas mãos daquela forma, ele julga ter sido uma “brincadeirinha” de alguém que na sua ingenuidade sequer imaginava o sonho que ele tivera. Apenas coincidência. Mas por quê ele ainda continua triste se já não acredita que nada daquilo aconteceu? Exatamente por isso, exatamente por pensar que nada aconteceu de verdade. Ele gostaria que tudo fosse real, a doce menina com sua voz calma, sua boca rosada, seus risos...

A chuva anuncia sua chegada em meio a trovões e raios. Jonas continua lá, parado, entregue aos pingos finos que lentamente vão molhando seu corpo e o encharcando. Em poucos minutos a chuva se manifesta por inteira. Jonas então se levanta, segue andando pela rua da solidão e se abriga em um toldo frente a uma casa. Está escuro, mal dá pra notar que existe alguém ali. Encosta no muro e fica lá por um longo tempo. Ele está com frio, seus braços e seus lábios tremem... Encolhe-se num cantinho e fica mais próximo ao portão da casa. Involuntariamente pousa o olhar sobre a grade do portão e vê uma janela aberta no segundo andar da casa. As luzes estão acesas... Ele nota que há um televisor ligado pelas alternâncias de iluminação lá dentro. Vê uma pessoa passar rapidamente... É uma mulher. Pela intensidade da chuva não dá pra ver nitidamente tudo que há por trás da janela de vidro. A mulher novamente passa, dessa vez resolve parar na janela e olhar a chuva. Está com uma toalha na cabeça, vestida apenas com peças íntimas e com uma roupa na mão. Ali deve ser seu quarto. Jonas se recua com receio que ela o veja, afinal ele não está ali para espioná-la, nem admirá-la, embora seja aparentemente bonita. Não dá pra ver seu rosto nem com muito esforço. Jonas não se contém, olha mais uma vez para a janela, os traços que contornam o corpo dela o agradam. Ela fecha a persiana e se recolhe. Jonas resolve ir embora mesmo ainda com a chuva em pingos grossos pois percebe que demorará a passar.

Jonas vai andando pensativo pelas ruas sombrias do bairro. Sorri para si quando se prende ao passado. Julga-se ironicamente “um louco” por confundir um sonho com realidade. Ele se lembra da página com todas aquelas coisas escritas as quais até decorou e repetiu para si por diversas vezes, e que esta por fim, não está de fato no livro. Isso desperta novamente uma curiosidade no homem robusto e questionador. Finalmente chega à sua casa, abre a porta, entra, tira a roupa, vai pro banheiro, toma seu banho, se enxuga, se veste, abre a gaveta do seu criado-mudo, pega o livro e então se deita na cama.

Ele relê algumas páginas, especificamente as que falam dos momentos de mais contato entre o casal. Depois pega a página escrita possivelmente por uma mão feminina, as letras são minúsculas e bem desenhadas. Ele não entende como pode ter um livro que relata um sonho que sequer contou para alguém. A página que está em sua mão é muito semelhante com a que ele presenciou a doce menina escrever no primeiro dia.

- Alguém escreveu isso! Quem terá sido? (Pergunta ele para as paredes de seu quarto). - De quem será este livro? Foi perdido e encontrado por alguém? Ágatha Nouren... Nunca ouvi falar de Ágatha Nouren... Ficarei realmente louco se eu der trela para tudo isso. Mas essa página pertence a alguém e isso não me sai da cabeça. Alguém marcando um encontro com seu namorado ou amigo? Aff, como veio parar em minhas mãos este livro misterioso?

Jonas está cansado. Guarda o livro e se deita com desejo de dormir bem para acordar melhor no dia seguinte. Dá um longo suspiro, o qual confirma seu cansaço físico e também mental.
Faz uma rápida recordação do seu dia aturdido e então lembra do seu refúgio no momento da chuva. E é inevitável não lembrar da casa do quarto iluminado situada na rua da solidão. Então lembra da mulher parada na janela de vidro com suas formas atraentes ao que chama de bom gosto. Boceja e por fim dorme.


(continua...)