quarta-feira, 18 de março de 2009

O livro ( parte 5 )


Ele acorda calmo, lento... Está debruçado sobre a mesa da cozinha. Não resistiu ao sono que o convidava insistentemente para acolhê-lo na noite passada. Recorda o sonho que trouxe pra perto dele o inolvidável cheiro da jovem moça. Abraça com força todos os instantes...poucos instantes responsáveis por trazê-la pra tão perto, em seu sonho.


Percebe-se uma vontade de acordar por imaginar que tudo não passa de um pesadelo, ou de talvez mudar algo que não pode ser mudado. Voltar no tempo , quem sabe... Mas quanto ao que aconteceu, nada pode ser modificado....permanecerá inalterado.

Levanta, vai ao quarto, abre a primeira gaveta do criado-mudo, retira a tão guardada página do livro e lê...Lê por diversas vezes, como se as palavras fossem embaralhar-se e mudar todo o sentido que há ali.

Ele está cansado. Coloca uma música em som ambiente, deita na cama, fecha os olhos e relembra todos os momentos que os levaram à doce menina.
A primeira vez que a viu sentada no banco... lendo um livro que mais tarde o intitulou de Livro por não conter título nem autor. Seu jeito espontâneo de sorrir ao final de cada frase dita. Seu olhar misterioso sempre procurando abrigo nas coisas mais simples. Seu relógio natural...o nascer e o pôr-do-sol. A anotação em sua agenda até hoje não revelada, feita no primeiro dia em que se conheceram. Seu modo de referir-se a ele como "homem robusto e questionador". Sua ida sem aviso prévio de uma possível volta. A flor amarela pousada em seu cabelo adornando seu delicado rosto. Seu susto irredutível que a fizera derrubar todos os seus objetos no chão, ao vê-lo. A sua irreverente forma de expressar que seu nome não lhe era importante... e que o importante era ser, apenas ser. A página do livro tirada de seu casaco subtamente e entregue a ele com um certo ar misterioso. Também lembra do vazio que sentiu quando não a viu sentada no banco que costumava sentar. A forma dela olhá-lo quando disse em alto e bom tom que gostava de "homens perseguidores"...

- É isso! Eu deveria tê-la perseguido, ela me deu o sinal. Que idiota sou! Era isso que ela queria... ou será que não!? ( Questionou-se o homem, interrompendo suas lembranças de uma sequência de acontecimentos...)

Volta a relembrar. Lembra do momento em que ela fala sobre o olhar, que o olhar diz muitas coisas. Seu modo quieto e calado de escutá-lo ao ler a página do livro. Seu silêncio. Sua forma de perceber as coisas mais ocultas, como a ausência do pai, no dia em que ele falara sobre o mesmo. Sua vontade admitida em manifestar um beijo, beijo que os tornou mais íntimos e que em poucos instantes os deixou tão distantes. O toque suave dos dedos na boca. As mãos despedindo-se num desolado adeus. A saudade de reviver tudo e aproveitar intensamente cada instante.

Há alguém na porta. Bate insistentemente chamando por Jonas.

- Jonas!! Jonas!! Vai se atrasar pro trabalho... Acorda!!! Tem algo aqui, creio que deve ser para você. É o único homem dessa casa.

Ele não parece ouvir.
Passam-se alguns minutos e lá está uma senhora distinta à porta de seu quarto.
- Jonas, acorda! O café já está pronto...Vamos! Acorde!

Ele mexe-se vagarosamente. Está acordando. Alonga o corpo com movimentos leves, abre os olhos e escuta a voz o chamando:

- Jonas!

- Hum... estou indo.

- Está atrasado!

- Estou indo...já disse!

Levanta da cama. Está desnorteado. Acabara de acordar de um sono muito pesado. Seu quarto parece intacto, tudo no seu devido lugar. Mas e a página do livro que ele segurava com tanto cuidado? Onde está? Ele não encontra. A senhora o chama já com um tom mais rústico, impaciente. Ele abre a porta e então vai para a cozinha, senta-se à mesa e toma seu tão oferecido café. Pede o jornal do dia e também para que ela procure um papel que está perdido talvez no chão de seu quarto.

- Hoje o carteiro não deixou jornal algum.

- Como não? É pra deixar todos os dias!

- Pois hoje ele não deixou. Não sei porque motivo, mas não deixou.

- Ah, acontece cada uma viu! Tem queijo?

- Tem sim. (Responde a senhora, indo em direção à geladeira. Na volta passa por uma mesinha de canto , pega um envelope...) - Acho que isso aqui é para você.

- O que é isso?

- Estava na porta, no lugar que deveria estar o jornal. Aí diz: Para o HOMEM ROBUSTO E QUESTIONADOR. Robusto você é, já questionador eu não sei, acho você tão centrado e econômico com as palavras. ( Demonstrando uma certa ironia).

O homem parece não acreditar no que está diante dele. Abre o envelope com muita rapidez. Ele não tem tempo a perder com admirações e questionamentos para si. Ele precisa de verdades, de fatos, de respostas concretas. Não quer acreditar no que vê. Um livro. Um livro cujo títulto é: "O livro", autora: Ágatha Nouren. Corre para seu quarto, trava a porta, deita-se na cama, abre o livro.

- Jonas!

- Não vou trabalhar hoje. Ligo mais tarde para lá.

- Você sabe que não pode faltar.

- O trabalho pode esperar. Eu não.

A senhora se prontifica a ligar para o seu trabalho e então improvisa uma "desculpa" para justificar sua ausência hoje. Aparentemente quanto a essa parte ele pode ficar despreocupado, embora a senhora parecesse mais preocupada do que ele próprio.

Ele folheia o livro e uma folha cai sobre a cama. É uma página de agenda com letras manuscritas e muito pequenas. Diz: " Quando terminar de ler o nosso livro, estarei no nosso lugar esperando por você." Ele recordou, essa foi a anotação que a doce menina fizera no primeiro dia e que não revelara até então.

Começa a ler o livro. Incrível, é sua história contada na íntegra, desde o momento em que ele encontrara a jovem misteriosa moça. Há cada palavra lida, ele parece mais confuso e perplexo com tudo. Ele não desgruda um só momento do livro. Está o dia todo em seu quarto lendo incessantemente. Revive cada momento como se fosse o único. Nota que uma página do livro não está lá, fora tirada. Ele relembra as palavras ditas na página que a moça entregara a ele e tudo parece haver sentido. É a página que falta ali, com certeza.

Depois de um dia lendo exaustivamente o livro, toma um banho, come algo, volta ao quarto, deita-se na cama, lê mais um pouco e dorme.

(..)

É sábado.

Acorda assustado. Percebe o livro na cama. Antes de qualquer outra coisa, ele abre o livro na página onde parara de ler e continua. Ele tem pressa, pressa de chegar, pressa de entender, pressa de encontrá-la, pressa de viver...

Aos sábados a senhora distinta não vem trabalhar em sua casa. Então ele vai até a cozinha, pega uma fruta, abre a porta, pega o jornal do dia e volta para o quarto. Ao ver a data do jornal ele fica paralizado. Pelas contas dele já deveria ter passado uma semana. Uma semana é muito tempo. Seria um erro absurdo para a edição de tal jornal.

Abre sua gaveta, pega os outros jornais pra verificar as datas, quando finalmente tem a surpresa de que as datas antecedentes estão numa sequência lógica, faltando apenas o jornal do dia anterior.

Ele estava tão compenetrado em tudo que acontecera que sequer parou pra pensar nas coisas mais óbvias. Durante a semana era impossível fazer caminhada no parque pelas tardes, já que trabalhava durante o dia todo e ainda cursava faculdade à noite. Então...ele nunca esteve com a doce menina? Tudo terá sido um sonho? Ele parece entristecido de alguma forma e inconformado também. Mas e o livro? Tamanha coincidência aparecer um livro à porta de sua casa relatando todo seu sonho. Coincidência? Por um momento ele parece ter medo de tudo. Lança o livro ao chão, sai do quarto e confuso vaga pelas ruas, falando baixo e completamente sem rumo.



(continua...)