sábado, 11 de setembro de 2010

Uma viagem Intergalática V

Não era de se admirar que Leson chegasse ao tão esperado encontro com um “terninho” cinza claro sem graça e um sapato bicolor que há anos não sabia o que era um pano limpo.

Ele não levou filmes, nem levou chocolate, nem levou flores. Levou uma canetinha que tinha uma microcâmera instalada e deu à Frida de presente. (Ela nunca usou a tal canetinha já que nunca quis filmar nada e a canetinha fora isso era determinadamente inútil).

Tiveram um dia muito atrapalhado. Era como se os dois fossem completamente opostos... (e eram). Enquanto Frida pensava em comer pipoca, Leson pensava em comer rocambole. Se ela queria dançar, ele queria ficar parado ouvindo a música. Se ela falava de moda, ele falava de tecnologia. Se ela grudava chiclete na mesa, ele organizava todos os pratos de forma simétrica. Definitivamente as diferenças eram imensas.

Leson voltou pra casa tão desencantado, que no caminho parou em uma tabacaria e decidiu fumar seu primeiro cigarro de orégano. Ele condenou o que mais lhe chamou atenção em Frida...sua boca. Ela era tão linda, mas falava muito pra quem não dizia quase nada e Leson antes mesmo de prová-la, a desaprovou. Só ali, naquele momento reflexivo do seu dia murcho e descontente foi que Leson percebeu que a beleza é a última coisa a se considerar. É preciso mais, é preciso sintonia, sincronia, química, física, matemática, conhecimentos gerais, sonho, verdade, sentimento... explosão de sensações positivas. Percebeu que a curiosidade é um bichinho traiçoeiro que pode quebrar as pernas de um curioso se ele não tiver ferramentas pra apoiar-se depois de possíveis desapontamentos.

Para Frida, aquele foi um encontro como um outro qualquer. Ela não criara expectativa nenhuma até porque sabia que os dois não tinham mesmo muito em comum. Sair com Leson foi apenas uma das mil opções que ela escolhera para não passar um dia sozinha.

Quanto mais o tempo passava mais ela percebia que sentia falta de Haustino, embora guardasse pra si e não falasse a ninguém. Sentia vontade de ligar, procurá-lo, mas não fazia. Decidiu por fim que voltaria para Marte pois não via um futuro muito promissor em Plutão. Era um planeta pacato demais pra quem tinha tanta energia pra gastar.

Meio que de supetão, ligou para Leson contando a novidade, o qual lhe deu total apoio na sua decisão. Numa tarde de domingo, despediram-se e Frida partiu não deixando saudades a ninguém.

Enquanto isso, Leson, já quase um bem-sucedido da era digital intergalática, abriu sua livraria virtual para acessos de trezentos gatos pingados do local. O que faria Leson bem-sucedido com tão pouca gente na cidade? Fato é que aquela pouca gente adorava qualquer novidade tecnológica que surgia na cidade e pagava qualquer preço pra ter acesso ao mundo tecnológico e isso era o suficiente para Leson se dar bem na sua profissão.

A livraria de Leson ganhou repercussão intergalatical. Precisou ampliar seu negócio e teve a ideia de montar uma filial em Marte sob a gerência de Haustino. Mas isso ele fez bem depois. Bem depois de perceber que o que ele estava com vontade mesmo era de conversar com Jeikely. Afinal por onde ela andava? Ela simplesmente sumiu. Mudou de apartamento, de trabalho e sabe-se lá mais de quê.

Depois de muito procurar Jeikely pela cidade, Leson deu uma desencanada e decidiu se concentrar no trabalho afim de expandir os negócios. E numa tarde agitadíssima surpreendentemente Jeikely apareceu na loja, movida pela curiosidade feminina é claro. (Ela estava com um ar de superioridade que só vendo!). Apesar de escapar no cantinho da boca um riso de satisfação por estar presenciando de perto o sucesso de seu amigo, ainda assim ela dominava a respiração com muita cautela e propriedade. Ela estava tão bonita... Cabelos presos e leves fios caindo sobre seu pescoço comprido. Leson nunca havia notado que existia um sinal de nascença bem perto de sua nuca pois ela dificilmente prendia os cabelos. Ele nunca antes notou que seus olhos mudavam de cor dependendo da iluminação do ambiente. Ele também nunca havia percebido a graça de menina que se escondia atrás de uma mulher séria. Seu vestido estampado com pequenas tachas imitando baterias recarregáveis, lhe caía leve e moldado. Sua sandália com salto fino de aço inox refletia nas paredes de espelhos e luzes da livraria. Leson ficou babando por minutos infindáveis admirando a beleza que nunca havia notado antes e que esteve sempre bem embaixo de seu nariz. E é claro que Jeikely percebeu. (E que mulher não perceberia!?).

Leson aproximou-se, cumprimentou-a e tentou questioná-la pelo seu sumiço. Jeikely não deu muita trela e simplesmente pediu um cartão para ler um dos livros virtuais da prateleira. Fez questão de pagar, pediu silêncio para a leitura, leu o livro depois de duas horas, agradeceu e antes mesmo que Leson falasse qualquer coisa, ela simplesmente saiu da loja sem olhar pra trás.


(continua...)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Uma viagem intergalática IV


Apesar de Leson não ter tido uma proximidade maior com Frida quando ainda estava em Leiusk, Haustino de certa forma estreitou os laços entre eles apesar de toda a distância. Como Haustino vivia praticamente mais na casa de Frida do que o inverso, naturalmente se fez necessário que Leson passasse a ligar para a casa dela para poder falar com Haustino. E com tantas ligações propositais, Leson logo tornou-se amigo de Frida.


Em Plutão ele não saberia muito bem o que fazer, nunca estivera pessoalmente com Frida. Embora muito determinado a vê-la, sua timidez e insegurança eram uma espécie de escudo que o impedia de ser natural e isso lhe causava um baita medo. Fora isso, ainda tinha nas lembranças a imagem de seu amigo Haustino todo empolgado falando de Frida com paixão inigualável.


Leson sabia que não seria errado obedecer seu coração. Até porque naquelas 'alturas do campeonato', Haustino e Frida nem estavam mais juntos mesmo! Ainda assim, ele não queria ser mal interpretado por nenhum dos lados. Então respirou fundo e tentou ser apenas um amigo leal. Prometeu a si, não engasgar-se ao falar, nem desviar o olhar quando a olhasse, nem perguntar muito sobre seu relacionamento com Haustino, nem fazer planos... Enfim, resolveu não fazer quase nada, apenas estar com ela.


Após alguns ‘din-dons’ na campainha, Frida nem quis acreditar que quem estava ali diante dela era o intelectual e tímido Leson. Convidou-o para entrar, ofereceu-lhe um chá e pediu ajuda para sovar uma massa para fazer pão caseiro. Leson ainda sem jeito e perdido sem saber como agir por desconhecer seus gestos, seus sorrisos, seus modos de dirigir-se à outrem, simplesmente encarou o novo como um desafio sem dar muita ênfase nos detalhes para parecer que tudo era normal, embora soubesse que ela sabia que não seria normal NUNCA. Porque mesmo Leson não conhecendo o jeito fácil e desinibido de Frida pessoalmente, ela sabia exatamente tudo sobre ele e era como se ela de algum modo, já tivesse convivido com ele.


No calor da emoção de sovar a tal massa de pão, Leson viveu aquele momento como um dos momentos mais importantes da sua vida. É sério!!! Feito criança brincou com Frida como nunca mais havia feito desde sua infância. Fizeram uma 'zona' na cozinha, sovaram, sovaram, sovaram e por fim colocaram de modo muito desorganizado a forma de pão no forno.


Enquanto o pão era assado, Frida ligou a TV, indicou alguns filmes a Leson e pediu licença para tomar um banho. Mantiveram um diálogo à distância, Frida no banho e Leson na sala. Timidamente perturbado em saber que conversava com uma mulher nua embora não a visse, “tremia nas bases” só de imaginar. Depois do curto momento de tensão, Frida apareceu com seu menor shorts, batom vermelho na boca impecável e uma blusinha azul marinho. Frida era provocante e não fazia questão nenhuma em ser muito discreta quando o que queria realmente era chamar atenção. Leson não fazia muito seu tipo mas ela via em seus olhos um desejo varonil e real. E isso era basicamente o necessário para atingir seu ego mais profundo.
As coisas não se estenderam muito. Lancharam naquele dia, comeram o pão que por sinal estava saboroso e macio, combinaram um passeio no final de semana e despediram-se.


Fazia três dias Leson não atendia as ligações de Haustino. Fugia desesperado do telefone, como o diabo foge da cruz. Afinal o que diria? E quanto lhe fosse questionado sobre as novidades? O que deveria de fato responder? - " É cara, fui à casa de Frida, ela me ofereceu chá, fizemos pão caseiro juntinhos, conversei com ela pelada, depois saboreamos o pão que estava gostoso e macio como a pele dela e combinamos um encontro pro final de semana, só isso! " – Leson irritou-se ao imaginar isso e deu um tapa em sua testa como quem dissesse: “ seu otário!”.


Contando os dias, ansioso pra ver Frida novamente, Leson tentava, como um menino imaturo e inexperiente, decorar algumas frases prontas e imaginar o que faria. Não sabia se lhe daria flores, se levaria algum chocolate, se levaria alguns filmes... Ele nem sabia para onde iriam e isso dificultava absurdamente todos os seus planos. Lembrou que conhecia alguém muito legal que certamente poderia ajudá-lo, Jekeily. Mas Jekeily ao saber o assunto não se moveu nenhum pouco a socorrê-lo e disse que estava muito ocupada tentando esquecer quem nunca se lembrava dela. Leson engoliu a seco o desprezo de Jekeily e tentou entender o que não havia entendido, imaginando que quando uma mulher age assim é porque quer apenas ficar sozinha. Então respeitou e tentou de outro modo continuar seus planos nada intelectuais.


(continua...)