sábado, 28 de novembro de 2009

Uma viagem intergalática III

Frida ficou em segundo lugar, feliz da vida! Apesar do olho roxo enfeitando seu rostinho delicado, ela saiu com milzinho no bolso e um sorriso gigante na cara.
Voltou pra casa, tomou uma boa ducha, passou merthiolate em alguns arranhões, deitou na cama de roupão e tudo... Desmaiou. Dormiu até ser acordada por Haustino num tal de din-don estressante. Frida deve ter se arrependido de colocar campainha na sua casa.
Haustino ficou num grau de dúvida fora de sério. Não sabia se elogiava Frida, se parabenizava, criticava, xingava ou sabe-se mais lá o que.
A expressão dele se confundia com algo do tipo : Tô mordido contigo, mas te amo minha nega!
Natural Haustino querer saber o que Frida iria fazer com a tal bufunfa. É a tal da maldita intimidade que faz com que o casal dê satisfação de tudo e divida tudo também.
Mas Frida não é boba. Falou que iria usar para algo bom e só. ( Tenho que aprender com ela, ser bem econômica nas palavras... ou melhor, ser curta e grossa...sem medo).
Falando de intimidade, eu ia até pular a parte que os dois ficaram juntinhos na cama. Mas não é justo. Apesar de ser algo quase óbvio. Frida de roupão, toda cheirosa e jogada numa cama é no mínimo sugestivo. Haustino naquele momento esqueceu suas seis caixas de email e correu para o abraço. Quase foram felizes para sempre até o telefone de Frida tocar. E num tal de : -Atende não amor e -Tenho que atender, Frida acabou atendendo o telefone e pra sua surpresa era Leson.


Leson tinha visto a luta de Frida num dos vídeos mais acessados do youtube. Ligou para parabenizá-la e perguntar o que Frida iria fazer já que estava ficando famosa. Quais eram seus planos e tudo mais... Frida ficou sem entender nada, afinal de contas ela mal chegou em casa. Sua luta foi pela manhã e ela já estava famosa antes de anoitecer? Como assim? Ela correu imediatamente para acessar o site e ver se era realmente verdade. Constatou que era realmente verdade que sua luta era um dos vídeos mais acessados. O título era: A lutadora enferrujada.
Frida ficou de cara amarrada por um bom tempo. Haustino querendo convencê-la de que os detalhes não importavam muito e Frida completamente tensa vendo seu futuro ir para o ralo por causa de um vídeozinho com título infame.


Frida pegou o dinheiro do torneio, deu para Haustino e pediu para ele passar na gerência da agência de eventos e falar com Humberto. Haustino quis entender, mas Frida não estava com cabeça para lhe explicar nada. Disse que Humberto já estava a par de tudo e que era só dar a grana a ele.


Haustino após alguns dias teve seu emprego garantido. Graças à luta de título infame de sua namorada "enferrujada". Por isso que os planetinhas não vão pra frente! Os que precisam de emprego devem pagar para comprar seus empregos? Que deprimente!


Bom, depois disso, bem depois mesmo, Haustino com seu emprego badalado, bombava na cidade e fazia sucesso com a mulherada. Participava das organizações dos maiores eventos da cidade. Mal conseguia conciliar seu tempo para namorar Frida. Talvez essa tenha sido a principal causa da separação dos dois. Em pensar que ele só conseguiu o tal emprego porque Frida se desenferrujou numa luta maluca. Mas a vida é assim mesmo, tem essas surpresas desagradáveis.


Com isso, desanimada da vida e esquecida pelo mundo da fama flash da internet, Frida juntou suas tralhas e decidiu voltar para Plutão. Sequer se despediu de Haustino. Deu uma festinha para suas amigas de uma forma muito discreta e no dia seguinte se mandou.


Haustino só ficou sabendo uma semana depois da viagem. Ficou tão decepcionado com a situação quanto ao seu egoísmo de plantão nas noites de festas intermináveis. Apesar de terem se separado Haustino ainda tinha uma quedinha por Frida. Mas também não se deixou abater. Seguiu seu caminho e se desconectou com o passado.


Dias depois, conversando no chat com Leson, contou a novidade, estava novamente solteiro. Leson, apesar de tanto tempo, sentia seu coração bater forte pela menina Frida, mas não expressou em momento algum com palavras ao seu amigo. Quando soube que Frida havia voltado para Plutão, quase teve um infarto. Quis rapidamente saber o endereço dela.


Um dia depois, Leson recusou o convite de Jekeily para dar um rolé na cidade e foi fazer uma visitinha surpresa à Frida.




(continua)...







sábado, 3 de outubro de 2009

Uma viagem intergalática II


Primeira parte de Uma viagem intergalática: Palavrinhas e Palavrões: Uma viagem intergaláticaI


Ao chegar a Plutão, precisamente na cidade de Ployst, Leson abriu sua mala, retirou seu laptop e acessou um de seus programas preferidos: “Mapeador de hotéis e pontos turísticos de planetas”. Desta vez Leson estava tendo a oportunidade de estar de verdade nos lugares em que ele costumava ficar encantado ao somente olhar pela internet. Bastou um simples click para que em minutos Leson fosse transportado em uma nave compacta ao seu destino.


Ele havia feito uma reserva num hotel famosíssimo, Hotel Plutopohá, até decidir em que lugar morar.


Chegando ao hotel, ficou decepcionado, pois todas as informações que a moça havia dado por telefone sobre o quarto eram inverídicas. Mas como não é de seu perfil fazer confusão, mesmo que seja por uma justa causa, apenas pediu que lhe trouxessem uma lixeirinha com luzes azuis. Ele só não esperava que quem lhe traria pessoalmente a tal lixeirinha, seria Jekeily, a gerente do Hotel. Que foi logo justificando que estava com poucos funcionários e disse que no dia anterior ainda teve que demitir uma funcionária muito louca que adorava passar trote pros clientes.


Leson arrumou suas coisas no seu novo quarto. Distribuiu na cômoda seus objetos pessoais ultramodernos, espalhou pelas paredes fotos de sua família e de seu amigo Haustino, trocou o lençol da cama por uma colcha feita por sua avó e ajeitou outras coisinhas mais.


Plutão que já era um planeta pequeno e vazio estava ficando cada vez mais vazio a cada dia que passava. Muitos que residiam em Ployst, por exemplo, queriam experimentar coisas mais agitadas, conhecer planetas diferentes e mais desenvolvidos. E isso deixou Leson um pouco preocupado. Afinal ele deixou tudo para trás com objetivo de ‘se tornar alguém’ no tal planeta.


Ele não demorou muito para se adaptar no lugar. Só não conseguiu adaptar seu paladar a aceitar os sanduíches de massa gosmenta vendidos em cada esquina da cidade. Ele costumava chamar de sanduíche grude-grude. Não entendia como aquilo poderia ser considerada a “febre alimentícia” do lugar. Mas como nem sempre 2 e 2 são 4, lá haviam outras coisas muito positivas e que eram valorizadas milimetricamente por Leson. As pessoas eram muito hospitaleiras e educadas. Dificilmente (diria até muito raramente MESMO) os noticiários exibiam violência, corrupção e miséria. A única coisa que realmente preocupava Leson era a tal vontade que os moradores tinham de ir embora daquele lugar.


Passado alguns dias Jekeily convidou Leson para dar uma volta na cidade para conhecer alguns lugares. Aquela foi uma forma gentil que ela encontrou de não deixá-lo frustrado com o lugar, já que nem guias turísticos havia mais por lá. Naquele dia Leson chegou cansado, havia conhecido uns restaurantes bem maneiros e se divertido à beça. Ligou pra família, falou com sua mãe, contou todas as novidades com muita empolgação. Mandou um beijo pro pai, um cascudo pra irmã e um abraço pro Haustino.




Enquanto isso na cidade de Leiusk, Haustino tentava uma vaga de emprego numa empresa conceituadíssima, responsável pelos eventos mais badalados da cidade. Não tinha experiência alguma, mas determinação e vontade de trabalhar ele tinha de sobra. E é claro que ele queria unir o útil ao agradável, afinal era festeiro desde muito pequeno.  Por conta disso, dormia ansioso, acordava assustado e passava o dia olhando suas seis caixas de email. (Yes, yes, ele tinha seis caixas de email).


Frida já nem ligava mais pra ele. O máximo que fazia era umas visitinhas rápidas nos finais de semana, já que Haustino falava sempre que o telefone não podia estar ocupado e ele tinha que estar antenado nos seus emails e não podia dar muita atenção a ela. Aquilo tava virando mania obsessiva.


Frida coitada, estava entediada, carente, desanimada, mal-humorada e não suportava mais tal situação. Afinal sempre foi acostumada com mimos, paparicos, atenção aos extremos... Suas amigas cruelmente a apelidaram de TePMica. (Era de dar dó!)


Num estado de desespero total, decidiu pôr a sua colher, mexer seus pauzinhos para reverter tal situação. Tufou o peito e foi à luta. (Hunrum, tufou o peito e foi à luta... Luta de rolar no tatame mesmo).


Na adolescência Frida ganhou várias medalhas de torneios de luta na escola. Ela sabia que um dia aquilo lhe seria útil pra alguma coisa. Então resolveu se inscrever num torneio de luta que estava fazendo a cabeça dos jovens na cidade. A premiação era em dinheiro para os três primeiros lugares e dinheiro era tudo que ela queria pra pôr seu plano em ação. 


Haustino, sentado no sofá da sala, com seu laptop no colo, telefone na mesa de centro e controle remoto na mão, ligou a tv para assistir os noticiários, quando se deparou com a imagem de Frida fazendo alongamento enquanto o repórter lhe entrevistava. - ... Tantos anos sem lutar, o que a fez se inscrever para concorrer a essa grande luta? Você acha mesmo que pode vencer os adversários , que por sinal são fortíssimos? ... Você pretende... (...)


Haustino abriu os olhos o máximo que pôde e gritou: PUTA QUE PARIU, QUE CARALHO A FRIDA TÁ FAZENDO AÍ MEU IRMÃO? 


Ficou lá com cara de " tacho" sem entender nada e sem saber que atitude tomar. Nada adiantaria muito. Frida logo começou a lutar e tudo que Haustino pôde fazer foi torcer para que ela ganhasse a luta.





(continua...)


sábado, 13 de junho de 2009

O livro ( FIM )





Jonas não faz idéia do que acontecerá daqui pra frente. Não sabe o que desejar, não sabe o que esperar...
Letícia não lhe sai da cabeça. Mas ainda assim ele não consegue alimentar nenhum sentimento por ela. Sente-se culpado, pois gostaria de poder tentar... Calado ele pensa consigo:

- Será que valeria a pena procurá-la? Será que valeria a pena tentar gostar dela pra corresponder esse amor? ...Mas ela foi tão firme, tão segura quando me deu adeus. Acho que devo ficar onde estou. Posso magoá-la ainda mais se eu não conseguir amá-la. Poderemos nos frustrar...

O sol invade o quarto de Jonas. Ele abre as cortinas, abre a janela e dá 'bom dia' ao mundo lá fora.
Depois de um banho demorado, Jonas pega seu livro e sai com destino ao parque. Talvez seja isso que Jonas precisa no momento...Relaxar, esquecer o que lhe tortura à mente.
Passa na frente da casa da mulher da janela. Ele recorda sua mão, mão bonita, unhas escuras e um anel perceptível a metros de distância. Movido pela curiosidade, está determinado a ficar por ali, escondido em algum lugar até que ela saia da casa, na esperança de ver seu rosto. Fica em baixo do toldo, o mesmo toldo que lhe protegeu da chuva dias antes.


Depois de um longo tempo... Ninguém aparece, nenhum barulho se ouve vindo da casa, nenhum sinal de vida por ali. Jonas então cansado, segue seu caminho. Deseja voltar um outro dia com mais tempo. Chegando ao parque, senta-se em um banco à sombra de uma árvore. Abre o livro, começa a ler tudo novamente. Parece não cansar de reviver toda a história contada ali. É como se ele buscasse mais explicações. Insatisfeito com a impossibilidade de desvendar os mistérios do sonho associado ao livro, ele se entristece à cada minuto, mais e mais.


Seu semblante fechado permanece por mais tempo do que ele deseja. Determinado, Jonas decide que Letícia fez o que deveria ser feito. Seu sentimento de culpa por deixá-la ir na noite passada, se transforma em algo neutro e insípido, e passa a entender que foi a melhor coisa a ser feita.
Já é tarde e Jonas continua lá, observando tudo ao seu redor. Crianças andando de mãos dadas com seus pais, namorados se beijando, meninas gargalhando, jovens caminhando...


Ele continua triste... Abaixa a cabeça e fica abraçado ao seu livro... Logo depois escuta alguém falar:


- Tem horas?
Jonas permanece de cabeça baixa.
- Estou sem relógio.


- Ah, tudo bem! É... posso saber que livro é esse que você está segurando?


- O livro. De Ágata Nouren. Uma moça deixou em minha porta...


- Ahhh , eu já li esse livro...muito interessante.


- Fala sobre tanta coisa que estou tentando decifrar até hoje. E quanto mais tento, mais confuso fico. Bem, você conhece a autora do livro? Eu particularmente nunca ouvi falar.


- Mas você quer decifrar o quê? O livro fala apenas de um casal que se conhece, se apaixona e depois ela o deixa. Não é isso? O que eu sei sobre a autora é que esse foi o único livro que ela escreveu. E que logo depois da edição, ela entrou em depressão de tal forma que a levou cometer suicídio. Até hoje ninguém sabe se foi por causa do livro, ou se tinha algum problema pessoal... ( a moça senta-se ao lado de Jonas)


Jonas levanta o rosto, mas sequer olha a moça que está ao seu lado. Seu olhar fixa-se no gramado a sua frente...como se só aquilo existisse naquele instante e nada mais...


- Na verdade pra mim tem um significado muito maior. Porque antes de ler o livro, eu sonhei com a história contada no livro. Mas quanto à autora...Que história triste que você acaba de me contar!


A moça incorfomada ao ver Jonas ali tão imóvel e aparentemente tão frágil. Não hesita em perguntar:
- Então é por isso que você está assim ? Realmente é muito estranho isso... Eu entenderia se você tivesse sonhado depois de ler o livro. Mas... antes???!!!


- É realmente muito estranho. Não seria tão intrigante se eu tivesse sonhado depois de ler o livro. Mas me diga, estou assim como?


- Assim...triste, vago. (Fala a moça sem deixar de olhar Jonas)


- Só estou confuso, apenas confuso. Eu nem deveria estar aqui agora. Eu deveria ter ido ao trabalho. Mas não. Estou aqui tentando descobrir coisas que jamais irei descobrir.


- Sinceramente, acho que se você está aqui é porque deveria estar. Eu penso sempre assim! Hoje por exemplo, eu também não fui trabalhar e estou aqui. É a primeira vez que venho a esse parque e tudo aqui é tão lindo! De repente parei e estou aqui conversando com você e mentiria se dissesse que não estou gostando de estar aqui.


- É, acho que você tem razão...


Jonas, move-se lentamente, olha para a mão da moça apoiada no banco próximo a sua perna. Pele clara, unhas escuras e um anel... Um anel que Jonas lembra ter visto antes e que não demora muito pra recordar exatamente o momento e o local. Por um instante ele fica ali parado, sem saber o que fazer ao certo. Será a mulher da janela que tanto Jonas queria ver? Ele tem medo, tem medo de olhá-la, medo de se decepcionar, medo de não entender, medo de se frustrar...medo de tudo. Ele de certa forma criou expectativas e esperou muito por esse momento. O de finalmente ver o rosto da mulher da janela. Agora ela está ali ao lado dele e isso é inadiável. Não há como fugir.


- Você está bem? Seu livro caiu... (Fala ela inclinando-se para juntar o livro do chão)


A moça entrega o livro nas mãos de Jonas. Ele está trêmulo e pálido. Respira fundo e finalmente olha para o rosto da moça. Fica perplexo, imóvel por alguns minutos. A moça automaticamente o olha e encanta-se ainda mais com Jonas. Ambos ficam se olhando por um bom tempo. Jonas toma a liberdade de segurar a mão dela, olha minuciosamente seu anel e tem absoluta certeza de que é realmente a mulher da janela... A mulher da janela de vidro.


- É você... (Diz ele em voz baixa)


- Eu o que?


- Você é a moça da janela de vidro. Há dias quis ver seu rosto. Mas era impossível. Você sequer me dava uma chance de olhá-la... Jonas está com um sorriso "desesperador" estampado em seu rosto.
- Anda me espionando? Você sabe quem eu sou?

- A vi numa noite de chuva , passando pela janela... Mas não conseguia vê-la nitidamente e desde aquele dia, ver seu rosto foi uma das coisas que mais desejei.

- Hum. E agora que viu, o que sente? Qual é a sensação de uma curiosidade acabada? O que você vê em meu rosto? Você está pálido. Parece assustado com o que viu.

- Sinto que minha alma está leve. Minha curiosidade não acaba aqui, ver seu rosto é apenas o começo de tudo que eu busquei. Não estou assustado, estou encantado... Seus olhos, seu sorriso, sua boca... Você é linda!

- Fala como se já me conhecesse, como se já tivesse me visto antes.

- E conheço. É você a moça que aparece no meu sonho, a que eu procurei desde que sonhei. A moça que viveu a história do livro comigo e que me deixou no final sem explicação alguma...E é por isso que eu fiquei assim, impactado.

- Era eu no seu sonho? Você tem certeza disso? Então estava me procurando?

-Nem sei o que dizer, é confuso demais, é absurdo demais. Só sei que era sim você no meu sonho e quem procurei esse tempo todo. De repente você me aparece e é como se eu não estivesse preparado. E nunca estaria! E algo me pede pra que não deixe você ir novamente.

- Sou a moça do teu sonho...

- Sim. É você a doce menina que sorria a cada final de uma frase dita, que me olhava com ternura e que me deixava sempre sem respostas. Sabia que naquela casa na noite de chuva, tinha algo reservado pra mim. Era você.

- Não quero...

- O que você não quer?

- Fugir de novo. Não quero fugir de novo...

A moça o olha , sorri e aproxima-se. Fica mais perto o quanto pode. Jonas toca suavemente seu rosto e num leve suspiro a beija. O beijo mais puro e desejado que sua boca já beijou. Jonas a toma em seus braços como quem não espera ver o fim desse momento tão esperado. Mesmo sabendo que esse momento é apenas o começo de tudo. Se olham... E esse olhar é apenas um de tantos outros olhares.
- Prazer, me chamo Giovanna. Ou me chame como quiser... (rs)

- Como Adriana? Marina? Vitória? Izadora? Hahaha.

- Como quiser. O nome não importa. Independente de nome eu serei sempre esta que você está vendo. (rs)

- Haha. Me chamo Jonas. Mas pode me chamar de "homem robusto e questionador". (rs)
FIM

domingo, 3 de maio de 2009

O livro (parte 8)



Jonas sai às pressas de casa. Quer chegar no trabalho no horário certo pra causar uma boa impressão. Pois aos seus longos 5 anos de trabalho ele nunca havia faltado um dia sequer e abriu uma exceção na sexta-feira quando por fim a sua vida começou a virar de cabeça para baixo.
Jonas é um bom funcionário. Sempre atento, prestativo, dedicado e interessado até mesmo nas áreas que não são as dele.

(...)

Depois de um dia inteiro de trabalho, Jonas vai à faculdade. Ele está com uma aparência cansada. Parece não ter dormido bem o suficiente para deixá-lo disposto o dia todo. Cumprimenta os colegas, vai à mesa e justifica sua ausência para o professor. Une-se a alguns colegas para fazer um exercício em equipe. Sofia, amiga de Jonas é uma dentre os colegas da equipe. Ela não está convencida de que Jonas esteja bem. Ele parece estar em um lugar bem distante...


- Jonas, você está bem? ...

- Por que?

- Você não consegue ler uma pergunta nem responder a nada.

- Desculpa, vou me concentrar, gente.

- Já acabamos Jonas. Sem problemas... Afinal acho que alguém aqui deve estar com um problemão não é!?

- Sim. Estou sim!

Letícia, a menina mais tímida, mais introvertida e mais bonita da turma, coloca seu material na bolsa e sai rapidamente assim que dá a hora do intervalo.

- Você viu, Sofia? A menina vôou. Sempre que ela está perto de mim, ela age assim. Parece ter medo de mim. Eu nunca fiz nada. Nunca sequer falei nada além de "oi" e "tchau".

- Relaxa Jonas, é o jeito dela!

- Vou lá falar com ela. Se for medo, ela vai ter que perder esse medo hoje.

Lá vai o homem robusto e questionador cercar a senhorita tímida e "medrosa". Ela está sentada tomando um copo de suco. Ele se aproxima. Ela não está vendo Jonas.

- Oi menina!

Letícia olha para ele, assustada! Fica alguns segundos parada só olhando para ele. Ele então insiste:

- Oi Letícia.

- Han, oi...

- Tudo bem?

- Sim.

- Mesmo?
- Sim.
- Posso sentar?

- Ah, desculpa. Que falta de educação a minha! Senta, fica à vontade.

- Haha. Você está nervosa, você sempre fica nervosa quando está perto de mim... eu já percebi.

- Percebeu?

- Sim, percebi. Eu só não entendo porque isso acontece. Eu sei que você é tímida, mas tem vezes que você foge de mim, me evita... Você não gosta de mim, é isso?

- Como posso não gostar de você? Han... Quase não nos falamos.

- Gosta ou não de mim? Eu só quero entender, saber o motivo de isso acontecer somente quando está perto de mim.

- Sim, eu gosto de você. ( Fala ela com um tom baixo e olhando para baixo)

- Por que está vermelha? Se gosta de mim porque você sempre foge?

- Fico assim quase sempre. Fujo porque gosto de você.

- Você foge porque gosta? Não deveria ser o contrário?

- Sim. Ah, não sei...

- Por que faz isso? Eu não mordo!! Não precisa fugir de mim. A vida é engraçada! De repente eu estou aqui conversando com você, alguém que foge de quem gosta, enquanto eu estou tentando encontrar alguém que eu gosto. Se eu encontrasse essa pessoa, eu certamente não fugiria.

- Quem você procura?

- Ah, história longa... Uma história bem absurda que está me deixando louco.

- Se quiser conversar...

Jonas sabe que precisa desabafar com alguém. Sabe também que se sentirá mais confortável se falar pra alguém que ele tenha pouca intimidade ou nenhuma. É como se ele buscasse algo novo, reações novas... Pois já lhe bastou a reação de seu amigo o zombando, dizendo que ele estava louco por querer alguém que não existe.
- Sabe Letícia, eu até quero...na verdade, preciso.

- Posso ficar um pouco mais depois da aula, já que você disse que é uma história longa...

-Foi bom vir aqui falar com você. Agora tenho uma outra impressão. Você é legal! Nos encontramos na saída então.

(...)

Se encontram no portão.

- Então Letícia...disposta a ouvir um homem chato farfalhar o resto da noite?

- Haha, sim! Sou ótima ouvinte.

- Para onde vamos então? Sugira um lugar.

- A sua casa.

- Minha casa?

- Você pediu que eu sugerisse. A instituição vai fechar, não tem nada aberto aqui perto... Você mora perto daqui. Na sua casa me sentirei segura. Depois chamo um taxi.

- Ok, vamos à minha casa então...mas vou te falando sobre o que aconteceu no caminho...

Falou resumidamente toda a história para Letícia sem que ela falasse algo sequer. De certo, ela é mesmo boa ouvinte.
Chegam por fim, na casa de Jonas. Decidem ficar na varanda pois o clima lá fora está ótimo...vento, folhas...E então eles continuam a conversar.
- Você deve estar achando tudo isso uma loucura não é, Letícia?

- Não, achei interessante. Me fala como ela era no sonho...

-Linda!!! Ela era linda! O sorriso era o que mais me encantava... puro, terno, sincero, espontâneo...

- Você não imagina quem deixou o livro na sua porta?

- Todos os dias me faço a mesma pergunta: " Quem deixou este livro na minha porta?" Isso martela minha cabeça de tal forma que jamais você entenderia.

- Achei fantástico você sonhar a história que o livro relata. Mas sinceramente acho inútil você querer encontrar alguém que existiu apenas no seu sonho.

- É, eu sei disso. Me sinto um bobo por querer esse sonho pra mim.

- Você não é bobo. Você é um homem apaixonado. Apaixonado pelo irreal, mas é um homem apaixonado. E estar apaixonado não é uma bobagem... Estar apaixonado é sentir no peito uma dor tão forte causada pela ausência de quem gostamos, que até esquecemos dela quando pensamos em estar juntos. Estar apaixonado é dar bom dia todos os dias a quem gostamos por mais que a pessoa não esteja conosco. Estar apaixonado é entender, desejar... Estar apaixonado é ser capaz de fugir por gostar muito de alguém que não gosta de você...

Alguns minutos calados, apenas se olhando... Jonas está surpreso. Ela gosta dele e ele nunca percebeu isso. Tem dúvida de como agir, não sabe o que falar...e ao vê-la tentando se explicar... ele então tenta falar.

- Letícia...

- Eu gosto de você. Sempre gostei de você... Nossa, eu nunca soube expressar isso! Mas eu sempre te admirei, eu esquecia do mundo lá fora quando te olhava... Mas eu nunca fui muito boa com essas coisas do coração...

- Letícia... Não precisa falar...

- Fiquei tanto tempo calada. Tive medo, tanto medo... Fiquei insegura. É uma mistura de tanta coisa. Você nunca me olhava, era como se eu e um lápis fôssemos a mesma coisa. Quando li esse livro, achei a história linda. Quis fazer algo, não sabia o que. Quis você comigo, mas eu não podia...

- Letícia, calma! Olha pra mim, não fica nervosa...não atropela as palavras. Me fala, de que livro você está falando? Você também leu o mesmo livro que foi deixado à minha porta, é isso?

- Fui eu.

- Você o quê?

- Que deixei o livro na sua porta. Mas eu jamais imaginei que fosse acontecer isso tudo... eu queria que você soubesse que eu gostava de você, só isso.

Letícia fica sem jeito. Esse não é o momento em que ela desejava contar tudo ao Jonas. Mas agora é tarde, não tem volta. Ela precisava revelar tudo que esconde.

- Meu Deus! Você? E como vou saber que você está falando a verdade? Letícia, eu quase enlouqueci por causa deste livro. Você não faz idéia do que aconteceu comigo!

- Desculpa, eu só queria que soubesse que existe alguém que gosta de você. Nunca vi você com ninguém. Tive esperanças... Mas também sei que eu não sou o tipo de mulher que você gosta, admira, deseja... Han, melhor eu ir embora!

- Não. Não vai agora por favor. Quis muito saber quem deixou este livro. Você nunca sequer parou para conversar comigo. Quando você iria me dizer isso? Nunca? Estou perdido Letícia, não sei o que pensar...

- Eu ia contar sim! Eu sabia que uma hora eu teria que ter coragem e contar que fui eu que dei o livro de presente a você. E você não ficou assim, aflito, perdido por causa do livro e sim por causa do sonho. O sonho que mexeu com você.

Letícia abre sua bolsa e tira um papel.

- Quase enlouqueci por tudo. Quando li o livro, eu revivi todo o meu sonho. Talvez se eu tivesse apenas sonhado, fosse apenas um sonho que passasse. Mas não. Ao ler o livro eu desejei tudo novamente. Isso me tirou do chão... O que é isso na sua mão?

- É a prova de que estou falando a verdade. Esta é a página do livro. Aqui está.

- Espera... Estou muito confuso! O que vai acontecer agora? Devo esquecer? Deixar passar? Você não é a menina do sonho, Letícia... você não é ela.

- Não, não sou e nunca serei, homem robusto e questionador ! Eu sempre soube que eu não era quem você procurava.

- Por que "homem robusto e questionador"?
- Porque acho você um homem robusto e questionador...

- Desculpe Letícia.

Jonas levanta-se. Fica sem ação. Não consegue sequer olhá-la nos olhos. Ele não quer magoá-la de fato, mas ele sabe que nada daquilo seria possível. Ela realmente não é quem ele procura.

- Não precisa se desculpar... eu já sabia.

- O que quer dizer o bilhete? O bilhete falando do encontro...

- Nosso livro, nosso lugar... Nosso livro, porque agora ele é seu e já foi meu também. E você me encontraria sempre no nosso lugar, mesmo que de uma forma distorcida, mas encontraria. Afinal estudamos juntos.

- Entendi. Você me surpreendeu, sabia!? Muito! Nunca vivi algo parecido. Obrigado por me fazer sonhar. E você é linda! É uma jovem linda! Nunca havia percebido que seus olhos são claros...

- Assim como nunca percebeu que toda vez que eu fugia... era por vontade de estar mais perto. Bem, estou indo, mas antes quero te dizer uma coisa: " Ficam aqui as palavras, as noites de frio e os dias de amor. Ficam aqui meus olhares por ti embriagados de tal pureza e clamor. Ficam aqui nossos sonhos que não passam de sonhos. Fica aqui o único beijo que roubo de ti, eu suponho. Ficam as vozes que falam de coisas indefinidas, ou não. Ficam aqui as lembranças de um encontro com a solidão. Fica também a saudade de um futuro que pode não existir. Fica também a vontade de abraçar o presente pra não fugir. Fica aqui um sorriso incompleto repleto de amor e dor. Ficam aqui meus mistérios por não saber quem sou. Ficam aqui as palavras, os dias de amor e as noites de frio. Fica aqui uma parte de mim, em especial uma parte do livro"

Letícia imprevisivelmente se aproxima de Jonas e o beija. Afasta-se, coloca o papel em sua mão, beija seu rosto demoradamente, diz "adeus" sussurrando ao seu ouvido e pede pra que ele não fale mais nada e então se vai.

Jonas senta-se novamente. Num semblante desesperador ele nada diz, sequer a olha partir...


(...)continua

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O livro (parte 7)

É domingo. Dia ensolarado...Daqueles em que o sol queima as ruas e calçadas e nos sentimos acolhidos numa sombra gigantesca de uma árvore.
Jonas liga para um amigo de faculdade e combina de irem a um clube próximo a sua casa. Pega sua mochila, põe nas costas e segue andando pelas ruas do bairro.
Inevitável, a rua da solidão é seu trajeto diário para o trabalho e para a faculdade. É por ela que ele anda neste momento para ir ao clube também. Anda calmamente recordando o dia de chuva em que viu aquela moça na janela. Ele vê o portão abrir, em seguida sai um carro... Não dá pra ver nitidamente quem dirige pelo ângulo em que ele está, mas dá pra notar que é mulher pela mão posta para fora. Nota um anel de pedra verde, bem marcante pela sua forma e seu tamanho. Ele tenta olhar pra dentro do carro na tentativa de vê-la...Quer ver seu rosto. Isso o deixa inquieto. Mas não há tempo. Lá se vai a mulher da janela de vidro sem que seja dado a ele uma chance de matar sua curiosidade. Se vai sem saber da existência de Jonas.
Logo depois chega ao clube, encontra seu amigo, a quem conta sobre tudo o que aconteceu. Seu amigo acha tudo muito confuso e curioso. Mais tarde revela já ter sonhado com pessoas que nunca viu antes na vida e que logo depois as viu em diversos lugares e situações. Jonas fala ao amigo que não tem costume de sonhar, mas que esse sonho o deixou perturbado por tantas coincidências.

- Parecia muito real. Só percebi que tudo era irreal quando vi a data do jornal e me dei conta de que não poderia estar nesse parque durante o dia.

- E você já esteve no parque antes?

- Sim, uma vez à noite. Fui sozinho...fiquei pouco tempo lá depois voltei para casa.

- E esse livro? O que pretende fazer com ele? Desconfia de quem o deixou na sua porta?

- Não canso de ler este livro, é envolvente. Pretendo devolver, mas devolverei a quem? Sequer imagino quem será o dono ou dona dele. Nem há rastros. Há somente um bilhete que marca um encontro com alguém em um lugar indefinido.

- Jonas, tenta esquecer um pouco isso. Você parece estar em um outro mundo. Precisa se distrair. Vamos jogar tênis?

- É, você tem razão... Mas ela era linda! (..) Vamos... mas já sabe que irá perder!

- Hahaha. Apaixonado por alguém que não existe. Você é um louco! E eu nunca perco de você, esqueceu-se disso!?

- Hahaha, devo estar realmente louco!

Horas depois Jonas volta para casa, exausto. Há tempos não se divertia tanto!
Passa de propósito pela rua sombria e calma na esperança de ver a mulher, inutilmente. Não há ninguém na casa, não há carro na garagem, nem luzes acesas.

Chega em casa, toma um demorado banho, ainda de toalha senta-se à mesa, toma uma xícara de café e então se recolhe.

(continua)...

terça-feira, 7 de abril de 2009

O livro (parte 6)


O céu está nublado. Rua escura, casas fechadas... Não há ninguém ali além de Jonas sentado no meio fio. Ele se sente só, mas não reclama. Gira seu anel no dedo, tira..., põe de novo..., amarra o cadarço do sapato, enfia as mãos nos bolsos como se procurasse algo. Não há muito o que se fazer na rua da solidão. Ele já nem procura entender mais nada do que aconteceu, está crente de que realmente tivera um sonho. Um sonho absurdo, mas apenas um sonho. E o fato do livro parar em suas mãos daquela forma, ele julga ter sido uma “brincadeirinha” de alguém que na sua ingenuidade sequer imaginava o sonho que ele tivera. Apenas coincidência. Mas por quê ele ainda continua triste se já não acredita que nada daquilo aconteceu? Exatamente por isso, exatamente por pensar que nada aconteceu de verdade. Ele gostaria que tudo fosse real, a doce menina com sua voz calma, sua boca rosada, seus risos...

A chuva anuncia sua chegada em meio a trovões e raios. Jonas continua lá, parado, entregue aos pingos finos que lentamente vão molhando seu corpo e o encharcando. Em poucos minutos a chuva se manifesta por inteira. Jonas então se levanta, segue andando pela rua da solidão e se abriga em um toldo frente a uma casa. Está escuro, mal dá pra notar que existe alguém ali. Encosta no muro e fica lá por um longo tempo. Ele está com frio, seus braços e seus lábios tremem... Encolhe-se num cantinho e fica mais próximo ao portão da casa. Involuntariamente pousa o olhar sobre a grade do portão e vê uma janela aberta no segundo andar da casa. As luzes estão acesas... Ele nota que há um televisor ligado pelas alternâncias de iluminação lá dentro. Vê uma pessoa passar rapidamente... É uma mulher. Pela intensidade da chuva não dá pra ver nitidamente tudo que há por trás da janela de vidro. A mulher novamente passa, dessa vez resolve parar na janela e olhar a chuva. Está com uma toalha na cabeça, vestida apenas com peças íntimas e com uma roupa na mão. Ali deve ser seu quarto. Jonas se recua com receio que ela o veja, afinal ele não está ali para espioná-la, nem admirá-la, embora seja aparentemente bonita. Não dá pra ver seu rosto nem com muito esforço. Jonas não se contém, olha mais uma vez para a janela, os traços que contornam o corpo dela o agradam. Ela fecha a persiana e se recolhe. Jonas resolve ir embora mesmo ainda com a chuva em pingos grossos pois percebe que demorará a passar.

Jonas vai andando pensativo pelas ruas sombrias do bairro. Sorri para si quando se prende ao passado. Julga-se ironicamente “um louco” por confundir um sonho com realidade. Ele se lembra da página com todas aquelas coisas escritas as quais até decorou e repetiu para si por diversas vezes, e que esta por fim, não está de fato no livro. Isso desperta novamente uma curiosidade no homem robusto e questionador. Finalmente chega à sua casa, abre a porta, entra, tira a roupa, vai pro banheiro, toma seu banho, se enxuga, se veste, abre a gaveta do seu criado-mudo, pega o livro e então se deita na cama.

Ele relê algumas páginas, especificamente as que falam dos momentos de mais contato entre o casal. Depois pega a página escrita possivelmente por uma mão feminina, as letras são minúsculas e bem desenhadas. Ele não entende como pode ter um livro que relata um sonho que sequer contou para alguém. A página que está em sua mão é muito semelhante com a que ele presenciou a doce menina escrever no primeiro dia.

- Alguém escreveu isso! Quem terá sido? (Pergunta ele para as paredes de seu quarto). - De quem será este livro? Foi perdido e encontrado por alguém? Ágatha Nouren... Nunca ouvi falar de Ágatha Nouren... Ficarei realmente louco se eu der trela para tudo isso. Mas essa página pertence a alguém e isso não me sai da cabeça. Alguém marcando um encontro com seu namorado ou amigo? Aff, como veio parar em minhas mãos este livro misterioso?

Jonas está cansado. Guarda o livro e se deita com desejo de dormir bem para acordar melhor no dia seguinte. Dá um longo suspiro, o qual confirma seu cansaço físico e também mental.
Faz uma rápida recordação do seu dia aturdido e então lembra do seu refúgio no momento da chuva. E é inevitável não lembrar da casa do quarto iluminado situada na rua da solidão. Então lembra da mulher parada na janela de vidro com suas formas atraentes ao que chama de bom gosto. Boceja e por fim dorme.


(continua...)

quarta-feira, 18 de março de 2009

O livro ( parte 5 )


Ele acorda calmo, lento... Está debruçado sobre a mesa da cozinha. Não resistiu ao sono que o convidava insistentemente para acolhê-lo na noite passada. Recorda o sonho que trouxe pra perto dele o inolvidável cheiro da jovem moça. Abraça com força todos os instantes...poucos instantes responsáveis por trazê-la pra tão perto, em seu sonho.


Percebe-se uma vontade de acordar por imaginar que tudo não passa de um pesadelo, ou de talvez mudar algo que não pode ser mudado. Voltar no tempo , quem sabe... Mas quanto ao que aconteceu, nada pode ser modificado....permanecerá inalterado.

Levanta, vai ao quarto, abre a primeira gaveta do criado-mudo, retira a tão guardada página do livro e lê...Lê por diversas vezes, como se as palavras fossem embaralhar-se e mudar todo o sentido que há ali.

Ele está cansado. Coloca uma música em som ambiente, deita na cama, fecha os olhos e relembra todos os momentos que os levaram à doce menina.
A primeira vez que a viu sentada no banco... lendo um livro que mais tarde o intitulou de Livro por não conter título nem autor. Seu jeito espontâneo de sorrir ao final de cada frase dita. Seu olhar misterioso sempre procurando abrigo nas coisas mais simples. Seu relógio natural...o nascer e o pôr-do-sol. A anotação em sua agenda até hoje não revelada, feita no primeiro dia em que se conheceram. Seu modo de referir-se a ele como "homem robusto e questionador". Sua ida sem aviso prévio de uma possível volta. A flor amarela pousada em seu cabelo adornando seu delicado rosto. Seu susto irredutível que a fizera derrubar todos os seus objetos no chão, ao vê-lo. A sua irreverente forma de expressar que seu nome não lhe era importante... e que o importante era ser, apenas ser. A página do livro tirada de seu casaco subtamente e entregue a ele com um certo ar misterioso. Também lembra do vazio que sentiu quando não a viu sentada no banco que costumava sentar. A forma dela olhá-lo quando disse em alto e bom tom que gostava de "homens perseguidores"...

- É isso! Eu deveria tê-la perseguido, ela me deu o sinal. Que idiota sou! Era isso que ela queria... ou será que não!? ( Questionou-se o homem, interrompendo suas lembranças de uma sequência de acontecimentos...)

Volta a relembrar. Lembra do momento em que ela fala sobre o olhar, que o olhar diz muitas coisas. Seu modo quieto e calado de escutá-lo ao ler a página do livro. Seu silêncio. Sua forma de perceber as coisas mais ocultas, como a ausência do pai, no dia em que ele falara sobre o mesmo. Sua vontade admitida em manifestar um beijo, beijo que os tornou mais íntimos e que em poucos instantes os deixou tão distantes. O toque suave dos dedos na boca. As mãos despedindo-se num desolado adeus. A saudade de reviver tudo e aproveitar intensamente cada instante.

Há alguém na porta. Bate insistentemente chamando por Jonas.

- Jonas!! Jonas!! Vai se atrasar pro trabalho... Acorda!!! Tem algo aqui, creio que deve ser para você. É o único homem dessa casa.

Ele não parece ouvir.
Passam-se alguns minutos e lá está uma senhora distinta à porta de seu quarto.
- Jonas, acorda! O café já está pronto...Vamos! Acorde!

Ele mexe-se vagarosamente. Está acordando. Alonga o corpo com movimentos leves, abre os olhos e escuta a voz o chamando:

- Jonas!

- Hum... estou indo.

- Está atrasado!

- Estou indo...já disse!

Levanta da cama. Está desnorteado. Acabara de acordar de um sono muito pesado. Seu quarto parece intacto, tudo no seu devido lugar. Mas e a página do livro que ele segurava com tanto cuidado? Onde está? Ele não encontra. A senhora o chama já com um tom mais rústico, impaciente. Ele abre a porta e então vai para a cozinha, senta-se à mesa e toma seu tão oferecido café. Pede o jornal do dia e também para que ela procure um papel que está perdido talvez no chão de seu quarto.

- Hoje o carteiro não deixou jornal algum.

- Como não? É pra deixar todos os dias!

- Pois hoje ele não deixou. Não sei porque motivo, mas não deixou.

- Ah, acontece cada uma viu! Tem queijo?

- Tem sim. (Responde a senhora, indo em direção à geladeira. Na volta passa por uma mesinha de canto , pega um envelope...) - Acho que isso aqui é para você.

- O que é isso?

- Estava na porta, no lugar que deveria estar o jornal. Aí diz: Para o HOMEM ROBUSTO E QUESTIONADOR. Robusto você é, já questionador eu não sei, acho você tão centrado e econômico com as palavras. ( Demonstrando uma certa ironia).

O homem parece não acreditar no que está diante dele. Abre o envelope com muita rapidez. Ele não tem tempo a perder com admirações e questionamentos para si. Ele precisa de verdades, de fatos, de respostas concretas. Não quer acreditar no que vê. Um livro. Um livro cujo títulto é: "O livro", autora: Ágatha Nouren. Corre para seu quarto, trava a porta, deita-se na cama, abre o livro.

- Jonas!

- Não vou trabalhar hoje. Ligo mais tarde para lá.

- Você sabe que não pode faltar.

- O trabalho pode esperar. Eu não.

A senhora se prontifica a ligar para o seu trabalho e então improvisa uma "desculpa" para justificar sua ausência hoje. Aparentemente quanto a essa parte ele pode ficar despreocupado, embora a senhora parecesse mais preocupada do que ele próprio.

Ele folheia o livro e uma folha cai sobre a cama. É uma página de agenda com letras manuscritas e muito pequenas. Diz: " Quando terminar de ler o nosso livro, estarei no nosso lugar esperando por você." Ele recordou, essa foi a anotação que a doce menina fizera no primeiro dia e que não revelara até então.

Começa a ler o livro. Incrível, é sua história contada na íntegra, desde o momento em que ele encontrara a jovem misteriosa moça. Há cada palavra lida, ele parece mais confuso e perplexo com tudo. Ele não desgruda um só momento do livro. Está o dia todo em seu quarto lendo incessantemente. Revive cada momento como se fosse o único. Nota que uma página do livro não está lá, fora tirada. Ele relembra as palavras ditas na página que a moça entregara a ele e tudo parece haver sentido. É a página que falta ali, com certeza.

Depois de um dia lendo exaustivamente o livro, toma um banho, come algo, volta ao quarto, deita-se na cama, lê mais um pouco e dorme.

(..)

É sábado.

Acorda assustado. Percebe o livro na cama. Antes de qualquer outra coisa, ele abre o livro na página onde parara de ler e continua. Ele tem pressa, pressa de chegar, pressa de entender, pressa de encontrá-la, pressa de viver...

Aos sábados a senhora distinta não vem trabalhar em sua casa. Então ele vai até a cozinha, pega uma fruta, abre a porta, pega o jornal do dia e volta para o quarto. Ao ver a data do jornal ele fica paralizado. Pelas contas dele já deveria ter passado uma semana. Uma semana é muito tempo. Seria um erro absurdo para a edição de tal jornal.

Abre sua gaveta, pega os outros jornais pra verificar as datas, quando finalmente tem a surpresa de que as datas antecedentes estão numa sequência lógica, faltando apenas o jornal do dia anterior.

Ele estava tão compenetrado em tudo que acontecera que sequer parou pra pensar nas coisas mais óbvias. Durante a semana era impossível fazer caminhada no parque pelas tardes, já que trabalhava durante o dia todo e ainda cursava faculdade à noite. Então...ele nunca esteve com a doce menina? Tudo terá sido um sonho? Ele parece entristecido de alguma forma e inconformado também. Mas e o livro? Tamanha coincidência aparecer um livro à porta de sua casa relatando todo seu sonho. Coincidência? Por um momento ele parece ter medo de tudo. Lança o livro ao chão, sai do quarto e confuso vaga pelas ruas, falando baixo e completamente sem rumo.



(continua...)


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O livro (parte 4)



Há dois dias que o homem vai ao mesmo parque com esperança de rever a menina que lhe encheu os olhos. Há dois dias que ele procura encontrar uma paz interior que não mais existe. Ele vive a angústia que afeta seu ego da forma mais ordinária. Seu olhar vive numa evazão constante, tal qual o impede de olhar tudo ao seu redor. Suas mãos suam friamente e o resto do seu corpo queima numa lareira de dor infernal.
Como pode um homem tão forte, sério, seguro, se fuzilar por três tardes aparentemente tão vagas?
Ele pouco sabe sobre as várias formas dela olhar o mundo. Pouco sabe dos seus gestos quando sente raiva. Pouco sabe dos seus possíveis tons num momento de tristeza. Mas muito sabe das suas várias formas de sorrir. Ele sente na boca um gosto de palavras tiradas daquela página e é como se cada uma não quisesse se desvincular da saliva enternecida.
Ele olha pro último banco que ela sentara, dá um riso que escapa com facilidade e então fala baixinho e consigo:
- Se não fosse essa minha total imprudência, essa tamanha falta de cuidado ou esse medo de enxergar as coisas, ela talvez ainda estivesse aqui. Eu queria tanto dizer o que não tive coragem de dizer ou o que achei que não poderia ser dito, ou de dizer o que não sabia como deveria ser dito... Por onde ela estará agora? E seu livro? O inseparável...
Volta para casa em passos lentos, demorados de propósito. Chega sem a mínima vontade de chegar. Abre a porta, entra como quem entra em uma prisão. Senta à mesa, toma dois goles de água natural, apoia seu queixo sobre sua mão direita...fixa seu olhar na parede branca e imagina a doce menina, com seus cabelos ao ombro, sua boca rosada, seu olhar penetrante, seu sorriso espontâneo e sua pele clara. Já é tarde e ele está lá com seus olhos resistentes ao sono que está chegando.
(continua)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Uma viagem intergalática

Foi numa festa na cidade de Leiusk no planeta Marte, que Frida e Haustino se conheceram.

Haustino, um cara muito descolado e engraçado era amigo de Leson, um garoto muito inteligente e exageradamente tímido, mas que tinha uma família super festeira. Tudo que acontecia naquela família era motivo pra festejar.
Leson quando ganhou sua primeira bicicleta, ainda criança, não queria aceitar de forma alguma seu presente, porque sabia que mais tarde possivelmente haveria uma verdadeira festança com comes e bebes pra comemorar e ele simplesmente tinha pavor a tudo aquilo.
Sua família achava que quanto mais festas fizesse maior seria a probabilidade de Leson se acostumar e esquecer sua timidez. Mas o tempo foi passando, as festas continuando e Leson cada vez mais tímido.

Leson com apenas 12 anos de idade conheceu Haustino com 13 numa dessas festas de comemoração por coisas banais. Seus pais decidiram dar uma festinha porque sua irmã havia largado a chupeta com 5 anos de idade. Então chamaram todos os vizinhos da rua 10 pra festejar e vangloriar a menininha.
Haustino foi à festa com seu pai. Depois de tanto tomar suco de laranja ficou correndo de um lado para o outro gritando desesperadamente: - BANHEIRO, BANHEIRO!!!
Em seguida foi informado que havia um banheiro depois da escada, à esquerda, no segundo andar. Haustino sempre confundia esquerda com direita e logo após subir a escada, passou pela primeira porta que avistou, a qual ficava à direita. Urinou sem receio em uma lixeira cheia de luzes piscando achando que fosse um mictório parecido com o que tinha em sua casa. Afinal todos os objetos daquela cidade eram cheios de luzes piscando...mais pareciam naves espaciais.
Logo depois foi surpreendido com um "puta que o pariu". Era Leson horrorizado com aquela cena sem entender porque aquele menino desconhecido entrara em seu quarto e fizera aquela barbaridade em sua lixeirinha de estimação. Mas Haustino, como ria de tudo, não resistiu depois de saber do mal entendido, caiu na gargalhada. O que contagiou Leson, que havia dito seu primeiro palavrão na vida. Leson ainda completou:- Isso sim seria um motivo pra comemorar! Acabei de dizer meu primeiro palavrão! Hahaha!
Depois de algumas partidas de video game e altos papos, os dois já eram amigões. Passaram a estudar na mesma escola, ir a torneios de joguinhos intergaláticos, fazer os mesmos cursinhos temporários e tudo mais.

Leson tinha planos de mudar de planeta quando fizesse seus 18 anos. Acreditava que morando em Plutão poderia viver sozinho com seus livros digitais, já que quase ninguém morava por lá. E ele não aguentava mais tantas festas sem sentido.
Ao completar seus 18 anos decidiu por vontade própria dar sua primeira e única festa para despedir-se de todos e decidiu que a festa seria à fantasia.


Haustino queria a felicidade de seu amigo mas não suportava a idéia de tê-lo longe. Sequer conseguia fazer a listinha de bebidas de laranjas e suas variações. Ele só pensava em como iria fazer naquela cidade tão baderneira sem seu amigo tão calado e intelectual, que adorava corrigi-lo sempre que dizia algo do tipo: - Aqui em Marte é tudo blue! __ Leson dizia: - Aqui em Marte é tudo red!

Claro que a festa tão inesperada tinha de ser restrita a somente alunos do colegial. E claro também que os alunos estavam anciosos pra curtir a festa de despedida do menino caladão (como era chamado carinhosamente na escola). Todos ajudaram como puderam, organizando cada detalhe... afinal seria a comemoração mais importante dos últimos tempos. A independência de Leson!

Finalmente com tudo preparado, todas as coisas definidas... a cidade estava virada do avesso,um verdadeiro caos. As lojas já não tinham fantasias o suficiente pra tanta gente. Mas os leiuskenhos eram muito criativos, adoravam inovar. Muitas meninas sem dó nem piedade, pegaram tesouras e transformaram vestidos de suas mães em lindas fantasias só pra não deixarem de ir a tão honrosa festa.
Todos já na festança em meio a tantos refrescos de laranja e bolinhos de chocolate pareciam se divertir como nunca haviam feito na vida.
Leson como sempre muito contido em tudo, ficou sentado num canto da sala enquanto seus amigos dançavam demasiadamente. Ele olhava tudo aquilo e sentia uma enorme satisfação, mas seu coração estava em pedaços pois ele sabia que nada daquilo voltaria depois que ele partisse. Depois de alguns goles de suco de laranja, Leson resolveu dar uma volta pela casa, subiu as escadas e foi até a sacada onde surpreendentemente avistou uma jovem muito bonita com uma máscara vermelha na mão e uma boca vermelha no rosto. Essa jovem era Frida, uma menina determinada, cheia de manias e vontades.
Ela olhou pra Leson como quem não visse nada de extraordinário. Saiu da sacada e desceu pra dançar. Enquanto Leson ficou lá, parado, pensando na boca vermelha de Frida. E pensando também porque não teve coragem de falar com ela. Ele respirou fundo, tufou o peito e resolveu procurar a jovem na festa. Procurou por todos os lados e no jardim avistou seu amigo Haustino conversando com ela. Ele sentiu raiva, sentiu raiva de si , não de Haustino. Pois ele nem sabia que Leson havia se apaixonado por Frida minutos antes.

No dia seguinte, dia em que Leson viajaria, Haustino foi em sua casa todo afoito desejar-lhe uma boa viagem. E atropelando as palavras disse que achava estar apaixonado por Frida. Leson, claro, ficou arrasado, mas sabia que nada podia intervir, pois dentro de algumas horas estaria partindo para o encontro de seu sonho. E num sorriso insípido Leson ficava cada vez mais insatisfeito com tudo que ouvia.

Depois de muito conversarem, Leson ficou sabendo que Frida era de Plutão e havia chegado em Marte há uma semana. E que ela não tinha planos de voltar porque mudar de planeta era um sonho dela que se realizara ao completar recentemente seus exatos 18 anos (também).

Leson abraçou seu amigo, entrou na nave e se mandou sem olhar pra trás. Mas só pensava em uma única coisa... Frida!



(continua)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O livro (parte 3)

O dia hoje está calmo. Poucos pássaros, poucas pessoas...e um pouco bem pouco de tudo.
O vento mais ameno, os sorrisos mais tímidos, as vontades mais inibidas e os segredos mais escondidos.
A moça não está no mesmo banco que costuma sentar diariamente. Hoje ela preferiu ficar na claridade, ficar exposta ao sol, entender tal paisagem...

- Escondendo-se de mim? (Perguntou o homem sorrindo sentando-se ao lado da moça).

- E por que me esconderia de você? (rs)

- Por achar que sou um homem perseguidor demais.

- Gosto de homens perseguidores. (rs) Desses que procuram entender o que querem.

- Gosto de moças sorridentes. Elas parecem dizer mais coisas que as outras moças comuns.

- Penso assim sobre o olhar. O olhar nos diz tantas coisas...

- O que o meu olhar diz?

- Que você pouco dormiu esta noite... (rs)

- Hahaha! De certo quase não dormi esta noite. Li incansavelmente a página que me você me deu ontem. Por quê a arrancou de seu livro e me deu?

O homem tira do bolso a página, olha para a moça e então diz em voz alta, sem medo de errar uma sequer palavra:

-" ficam aqui as palavras, as noites de frio e os dias de amor,
ficam aqui meus olhares por ti embriagados de tal pureza e clamor.
ficam aqui nossos sonhos que não passam de sonhos,
fica aqui o único beijo que roubo de ti, eu suponho.
ficam as vozes que falam de coisas indefinidas, ou não,
ficam aqui as lembranças de um encontro com a solidão .
fica também a saudade de um futuro que pode não existir,
fica também a vontade de abraçar o presente pra não fugir.
fica aqui um sorriso incompleto repleto de amor e dor,
ficam aqui meus mistérios por não saber quem sou.
ficam aqui as palavras, os dias de amor e as noites de frio.
fica aqui uma parte de mim, em especial uma parte do livro."

A moça não sorri, não diz nada, não faz sequer um movimento. Ela continua lá com os olhos fixos no chão.

- Pouco sei de você doce menina. Pouco sei do seu livro, pouco sei sobre mim, pouco sei sobre esse parque, sobre esse banco o qual estamos sentados... Pouco sei sobre tudo nessa vida. Mas eu não queria entender tudo que li porque sei muito pouco sobre o meu coração. Isso me causa uma certa angústia!

A moça continua lá, ouvindo calmamente tudo que o homem diz. Ela então olha nos olhos do homem...
O homem continua a falar:

- Lembro quando mais novo adorava jogar futebol com os amigos. Um dia eu quebrei a perna e fiquei sem jogar por três meses. Me senti impotente, os dias pareciam não passar e eu ficava enlouquecido de raiva com aquilo. Meu pai ao chegar do trabalho percebeu que eu não havia almoçado, foi no meu quarto, sentou-se à beira da cama e disse: " Se não comer, ficará fraco. Se ficar fraco, temo que não consigas andar. Se não andar certamente não poderá jogar futebol outra vez. Prefere futebol de botão?" Eu particularmente não preferia futebol de botão apesar de gostar muito. Eu queria voltar a jogar com meus amigos...e por mais que eu não entendesse muito meu pai, entendia que ele só queria o meu bem. A partir daí eu percebi que todas as coisas são consequências de outras coisas. A vida é como um jogo, se eu mudar uma peça aqui, o resultado será diferente lá adiante.

- Desculpe, mas onde está seu pai agora?

- Meu pai se apaixonou por uma italiana, foi embora casar-se com ela e nunca mais voltou.

- Percebi uma certa ausência no seu olhar quando falou dele...

O homem sabe que por mais que tente, ele não conseguirá entender a doce menina. Não hoje. Um vazio toma conta dele, por imaginar que talvez nunca mais tenha oportunidade de entendê-la.

- Esta página é uma parte de você?

- Sim. ( Ela já não sorri como sempre faz)

- Tudo ficará aqui nesta página? As palavras, os olhares, os sorrisos...tudo?

- Espera... (Aproxima-se do homem num impulso imediato, toca suavemente seus lábios, olha intensamente seus olhos e o beija)

Toda aquela lacuna existente está preenchida com um beijo tão cálido e ao mesmo tempo tão sutil. Ele teme que seja o único. Ele quer ficar lá até inverter o possível resultado que virá logo adiante. A moça põe a mão sobre seu peito, afasta-se , ri, outra vez toca seus lábios, levanta-se e então se vai. Ele tenta segurar sua mão, mas é inútil. Ela está decidida e o deixa ali, sem palavras, sem explicações, sem sorrisos, sem olhares... O deixa com saudade.



(continua...)

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Vapor barato? É...mais ou menos isso!


De certo suas calças vermelhas não combinavam com seu casaco de general.
Suas calças eram folgadas e seu casaco era apertadinho demais.
Sem dinheiro pra comprar acessórios, preferiu tirar os anéis do casaco e pôs nos dedos.
Aquele cara tinha cara de malandro, andava sempre tão cansado mas sequer tinha emprego.
Todos no bairro o chamavam de Moicano. Até hoje eu não sei o porquê. Ele era completamente careca.
Dizem por aí que sempre que ele queria chamar atenção ameaçava ir embora. Mas quem se importava? Ele não era muito sociável.
Sua magreza cruel... facilmente o deixava puto da vida porque a modinha naquela época era ser bombado.
Tinha uma coleção de miniaturas de navios de madeira. Muitos ele teve que queimar pois estavam sendo atacados por cupins.
Alguns moradores da pequena cidade achavam que ele vivia bêbado.
Outros achavam que ele era apenas um cara sozinho no mundo.
Eu sempre achei que ele tinha aquela cara porque nunca conseguiu esquecer sua honey baby.
Hoje eu não sei se ele está vivo, doente, triste, feliz ou morto.
Ficou a dúvida no ar desde que ele saiu daquela cidade dizendo que possivelmente voltaria.
Ah, o casaco de general que ele usava foi presente de uma vizinha que havia ficado viúva. As calças eu não sei.


Texto inspirado na música Vapor Barato - O Rappa...embora eu prefira uma versão mais tranquilinha como a de Zeca Baleiro e Gal Costa. =]

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O livro (parte 2)




Sorrindo de nada e para o nada, lá está a moça sentada no mesmo lugar dos dias anteriores com seu livro na mão. Rasga inesperadamente uma página do livro e põe no bolso de seu casaco. Continua a ler...ler...ler... de repente o vento assopra para perto dela uma flor amarela. Ela não sabe ao certo o que fazer, mas pega a flor, vagarosamente olha, olha minuciosamente, põe no cabelo e continua a ler.

Ela está bela e doce como nunca! Seu olhar penetrante medita em pensamentos os quais não se dá pra saber...mas que parecem concretos e felizes.

O dia parece passar mais lentamente hoje. Seu rosto carrega consigo uma inquietude que antes não existia. Talvez seja isso que a faça mais bela que os outros dias. É certo que ela adoraria saber a hora exata nesse momento, é certo que ela esconde algo, é certo que ela deseja algo...

- Bela flor! (Disse o homem robusto que não havia conseguido dormir na noite anterior por conta da moça sorridente).

Impactada com tal surpresa ela deixa seu livro cair no chão. Tenta juntá-lo e logo deixa cair também sua bolsa que se abre e põe à mostra todos os objetos contidos nela. Ele aproxima-se com intenção de ajudá-la...

- Não precisa, obrigada! Estou bem!

- Não queria assustá-la. Estava caminhando aqui no parque e resolvi passar pra ver se você estava aqui. Mas acho que não foi uma boa idéia. Não quero atrapalhá-la...

- Já disse, estou bem! Está tudo bem! Você não está atrapalhando nada. (rs)

A moça finalmente junta todos os objetos e respira fundo... Olha bem fundo nos olhos do homem e nada diz. E ele corresponde o olhar.

- Você é misteriosa como seu livro. Como chama?

- Chame como quiser. (rs)

- Adriana? Marina? Vitória? Izadora?...

- Como quiser. O nome não importa. Independente de nome eu serei sempre esta que você está vendo. (rs)

- Hmm. Sendo assim...gostaria de me chamar por qual nome?

- Prefiro chamá-lo de homem robusto e questionador... (rs)

- Haha. Então menina doce e sorridente... Como chamaria seu livro? Que título daria pra ele?

- Livro! (rs)

- Livro... Me parece um bom título.

- Tenho que ir agora. Você demorou ... (rs)

- Como assim?

- Eu sabia que viria. (rs)

- E como sabia?

- Pelo seu olhar...

- Virei amanhã?

- Certamente. (rs) Tchau!

A moça levanta-se, põe a mão no bolso de seu casaco, tira a página do livro que havia rasgado e guardado, coloca nas mãos do homem e vai embora antes que ele fizesse qualquer pergunta ou dissesse algo.

Ele continua lá... sentado. Lê aquela página como se fosse a única do livro e procura entender o que não é pra ser entendido. Levanta-se e segue seu caminho com uma alma calada e um imensurável deslumbramento.

(continua...)


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Cadeia destrutiva


É solitário o vazio,
É solitário o medo.
O olhar tão sombrio,
O olhar sem desejo...
É apenas solitário o olhar.


Vejo na carne a mesma dor,
O sangue violento na carne crua.
O sangue violento na ferida do amor.
É futuro, é presente...
É fato, invenção.
Os olhos olham pra frente...
E não pisam no chão.
É apenas solitário o olhar.

Será que é preciso contar os segredos?
Será que o zé fulano vai fugir?
Será que as armas continuam afiadas?
Será que os erros devem ser esquecidos sem perdão?
Será que a dona vera já voltou?
Será que o joão beltrano suicidou?


No último domingo estava vazia a cela...
E aos prantos dona vera curvou-se diante os olhos solitários...
De joão beltrano esquartejado por seu irmão zé fulano foragido.
A dor de uma mãe estampada no vazio...
Era a dor da morte do amor.
E seu olhar era apenas um solitário olhar.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O livro (parte 1)


Um homem robusto de aproxidamente 37 anos, senta-se ao lado de uma moça aparentemente frágil e muito sorridente com um livro na mão.

- Tem horas?

-Tô sem celular, sem relógio... (rs)

- Ah, tudo bem! É... posso saber que livro você está lendo?

-Eu não sei. Minha irmã me deu esse livro semana passada e disse que era da nossa mãe que faleceu recentemente. O livro foi encapado e eu não sei o título, autor...nada. (rs) E nem minha irmã sabe.

- Ahhh, sei... E fala sobre o quê?

- Também não sei. É difícil entender, mas é interessante. Eu costumo "pular" as palavras difíceis ou substituir por alguma palavra mais simples que eu conheça. (rs)

- Hmm...Não dá pra saber se é romance? Filosofia? Suspense?...

- Não. É tudo muito confuso, tem um pouco de cada coisa aqui.

A moça fecha o livro, abre a bolsa, tira uma agenda e uma caneta e então faz alguma anotação.
O homem ainda curioso pois não obtinha resposta pra nenhuma das perguntas que fazia, não hesitou:

- Escreve sobre o livro? Alguma palavra pra procurar o significado depois?

- Não. Escrevo algo que possa me servir mais tarde pra alguma coisa. (rs)

- Hmm. Lembrete?

- Talvez!(rs)

A moça levanta-se e diz para o homem que precisa ir pois deu a sua hora. O homem, meio confuso fica calado por alguns segundos e logo depois pergunta:

- Se você não tem horas, como sabe que já é hora de ir embora?

- O sol tá se pondo.(rs)

- Entendi. Acho que também devo ir. Boa sorte com sua leitura do livro sem título e sem autor!

- Obrigada!

Um silêncio entre os dois dura por alguns minutos. Ela abre sua bolsa, certifica-se que está tudo em ordem e lentamente posiciona-se pro primeiro passo volta à sua casa.
O homem continua sentado e observando a moça indo embora.

- Vem sempre por aqui?

- Sempre, todos os dias no mesmo horário. (rs)

- Ah, ok. Tchau então moça doce e sorridente.

- Tchau homem robusto e questionador.

- Haha.

E assim a moça seguiu seu caminho...e o homem a olhou até perdê-la de vista.

(continua...)