sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O livro (parte 4)



Há dois dias que o homem vai ao mesmo parque com esperança de rever a menina que lhe encheu os olhos. Há dois dias que ele procura encontrar uma paz interior que não mais existe. Ele vive a angústia que afeta seu ego da forma mais ordinária. Seu olhar vive numa evazão constante, tal qual o impede de olhar tudo ao seu redor. Suas mãos suam friamente e o resto do seu corpo queima numa lareira de dor infernal.
Como pode um homem tão forte, sério, seguro, se fuzilar por três tardes aparentemente tão vagas?
Ele pouco sabe sobre as várias formas dela olhar o mundo. Pouco sabe dos seus gestos quando sente raiva. Pouco sabe dos seus possíveis tons num momento de tristeza. Mas muito sabe das suas várias formas de sorrir. Ele sente na boca um gosto de palavras tiradas daquela página e é como se cada uma não quisesse se desvincular da saliva enternecida.
Ele olha pro último banco que ela sentara, dá um riso que escapa com facilidade e então fala baixinho e consigo:
- Se não fosse essa minha total imprudência, essa tamanha falta de cuidado ou esse medo de enxergar as coisas, ela talvez ainda estivesse aqui. Eu queria tanto dizer o que não tive coragem de dizer ou o que achei que não poderia ser dito, ou de dizer o que não sabia como deveria ser dito... Por onde ela estará agora? E seu livro? O inseparável...
Volta para casa em passos lentos, demorados de propósito. Chega sem a mínima vontade de chegar. Abre a porta, entra como quem entra em uma prisão. Senta à mesa, toma dois goles de água natural, apoia seu queixo sobre sua mão direita...fixa seu olhar na parede branca e imagina a doce menina, com seus cabelos ao ombro, sua boca rosada, seu olhar penetrante, seu sorriso espontâneo e sua pele clara. Já é tarde e ele está lá com seus olhos resistentes ao sono que está chegando.
(continua)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Uma viagem intergalática

Foi numa festa na cidade de Leiusk no planeta Marte, que Frida e Haustino se conheceram.

Haustino, um cara muito descolado e engraçado era amigo de Leson, um garoto muito inteligente e exageradamente tímido, mas que tinha uma família super festeira. Tudo que acontecia naquela família era motivo pra festejar.
Leson quando ganhou sua primeira bicicleta, ainda criança, não queria aceitar de forma alguma seu presente, porque sabia que mais tarde possivelmente haveria uma verdadeira festança com comes e bebes pra comemorar e ele simplesmente tinha pavor a tudo aquilo.
Sua família achava que quanto mais festas fizesse maior seria a probabilidade de Leson se acostumar e esquecer sua timidez. Mas o tempo foi passando, as festas continuando e Leson cada vez mais tímido.

Leson com apenas 12 anos de idade conheceu Haustino com 13 numa dessas festas de comemoração por coisas banais. Seus pais decidiram dar uma festinha porque sua irmã havia largado a chupeta com 5 anos de idade. Então chamaram todos os vizinhos da rua 10 pra festejar e vangloriar a menininha.
Haustino foi à festa com seu pai. Depois de tanto tomar suco de laranja ficou correndo de um lado para o outro gritando desesperadamente: - BANHEIRO, BANHEIRO!!!
Em seguida foi informado que havia um banheiro depois da escada, à esquerda, no segundo andar. Haustino sempre confundia esquerda com direita e logo após subir a escada, passou pela primeira porta que avistou, a qual ficava à direita. Urinou sem receio em uma lixeira cheia de luzes piscando achando que fosse um mictório parecido com o que tinha em sua casa. Afinal todos os objetos daquela cidade eram cheios de luzes piscando...mais pareciam naves espaciais.
Logo depois foi surpreendido com um "puta que o pariu". Era Leson horrorizado com aquela cena sem entender porque aquele menino desconhecido entrara em seu quarto e fizera aquela barbaridade em sua lixeirinha de estimação. Mas Haustino, como ria de tudo, não resistiu depois de saber do mal entendido, caiu na gargalhada. O que contagiou Leson, que havia dito seu primeiro palavrão na vida. Leson ainda completou:- Isso sim seria um motivo pra comemorar! Acabei de dizer meu primeiro palavrão! Hahaha!
Depois de algumas partidas de video game e altos papos, os dois já eram amigões. Passaram a estudar na mesma escola, ir a torneios de joguinhos intergaláticos, fazer os mesmos cursinhos temporários e tudo mais.

Leson tinha planos de mudar de planeta quando fizesse seus 18 anos. Acreditava que morando em Plutão poderia viver sozinho com seus livros digitais, já que quase ninguém morava por lá. E ele não aguentava mais tantas festas sem sentido.
Ao completar seus 18 anos decidiu por vontade própria dar sua primeira e única festa para despedir-se de todos e decidiu que a festa seria à fantasia.


Haustino queria a felicidade de seu amigo mas não suportava a idéia de tê-lo longe. Sequer conseguia fazer a listinha de bebidas de laranjas e suas variações. Ele só pensava em como iria fazer naquela cidade tão baderneira sem seu amigo tão calado e intelectual, que adorava corrigi-lo sempre que dizia algo do tipo: - Aqui em Marte é tudo blue! __ Leson dizia: - Aqui em Marte é tudo red!

Claro que a festa tão inesperada tinha de ser restrita a somente alunos do colegial. E claro também que os alunos estavam anciosos pra curtir a festa de despedida do menino caladão (como era chamado carinhosamente na escola). Todos ajudaram como puderam, organizando cada detalhe... afinal seria a comemoração mais importante dos últimos tempos. A independência de Leson!

Finalmente com tudo preparado, todas as coisas definidas... a cidade estava virada do avesso,um verdadeiro caos. As lojas já não tinham fantasias o suficiente pra tanta gente. Mas os leiuskenhos eram muito criativos, adoravam inovar. Muitas meninas sem dó nem piedade, pegaram tesouras e transformaram vestidos de suas mães em lindas fantasias só pra não deixarem de ir a tão honrosa festa.
Todos já na festança em meio a tantos refrescos de laranja e bolinhos de chocolate pareciam se divertir como nunca haviam feito na vida.
Leson como sempre muito contido em tudo, ficou sentado num canto da sala enquanto seus amigos dançavam demasiadamente. Ele olhava tudo aquilo e sentia uma enorme satisfação, mas seu coração estava em pedaços pois ele sabia que nada daquilo voltaria depois que ele partisse. Depois de alguns goles de suco de laranja, Leson resolveu dar uma volta pela casa, subiu as escadas e foi até a sacada onde surpreendentemente avistou uma jovem muito bonita com uma máscara vermelha na mão e uma boca vermelha no rosto. Essa jovem era Frida, uma menina determinada, cheia de manias e vontades.
Ela olhou pra Leson como quem não visse nada de extraordinário. Saiu da sacada e desceu pra dançar. Enquanto Leson ficou lá, parado, pensando na boca vermelha de Frida. E pensando também porque não teve coragem de falar com ela. Ele respirou fundo, tufou o peito e resolveu procurar a jovem na festa. Procurou por todos os lados e no jardim avistou seu amigo Haustino conversando com ela. Ele sentiu raiva, sentiu raiva de si , não de Haustino. Pois ele nem sabia que Leson havia se apaixonado por Frida minutos antes.

No dia seguinte, dia em que Leson viajaria, Haustino foi em sua casa todo afoito desejar-lhe uma boa viagem. E atropelando as palavras disse que achava estar apaixonado por Frida. Leson, claro, ficou arrasado, mas sabia que nada podia intervir, pois dentro de algumas horas estaria partindo para o encontro de seu sonho. E num sorriso insípido Leson ficava cada vez mais insatisfeito com tudo que ouvia.

Depois de muito conversarem, Leson ficou sabendo que Frida era de Plutão e havia chegado em Marte há uma semana. E que ela não tinha planos de voltar porque mudar de planeta era um sonho dela que se realizara ao completar recentemente seus exatos 18 anos (também).

Leson abraçou seu amigo, entrou na nave e se mandou sem olhar pra trás. Mas só pensava em uma única coisa... Frida!



(continua)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O livro (parte 3)

O dia hoje está calmo. Poucos pássaros, poucas pessoas...e um pouco bem pouco de tudo.
O vento mais ameno, os sorrisos mais tímidos, as vontades mais inibidas e os segredos mais escondidos.
A moça não está no mesmo banco que costuma sentar diariamente. Hoje ela preferiu ficar na claridade, ficar exposta ao sol, entender tal paisagem...

- Escondendo-se de mim? (Perguntou o homem sorrindo sentando-se ao lado da moça).

- E por que me esconderia de você? (rs)

- Por achar que sou um homem perseguidor demais.

- Gosto de homens perseguidores. (rs) Desses que procuram entender o que querem.

- Gosto de moças sorridentes. Elas parecem dizer mais coisas que as outras moças comuns.

- Penso assim sobre o olhar. O olhar nos diz tantas coisas...

- O que o meu olhar diz?

- Que você pouco dormiu esta noite... (rs)

- Hahaha! De certo quase não dormi esta noite. Li incansavelmente a página que me você me deu ontem. Por quê a arrancou de seu livro e me deu?

O homem tira do bolso a página, olha para a moça e então diz em voz alta, sem medo de errar uma sequer palavra:

-" ficam aqui as palavras, as noites de frio e os dias de amor,
ficam aqui meus olhares por ti embriagados de tal pureza e clamor.
ficam aqui nossos sonhos que não passam de sonhos,
fica aqui o único beijo que roubo de ti, eu suponho.
ficam as vozes que falam de coisas indefinidas, ou não,
ficam aqui as lembranças de um encontro com a solidão .
fica também a saudade de um futuro que pode não existir,
fica também a vontade de abraçar o presente pra não fugir.
fica aqui um sorriso incompleto repleto de amor e dor,
ficam aqui meus mistérios por não saber quem sou.
ficam aqui as palavras, os dias de amor e as noites de frio.
fica aqui uma parte de mim, em especial uma parte do livro."

A moça não sorri, não diz nada, não faz sequer um movimento. Ela continua lá com os olhos fixos no chão.

- Pouco sei de você doce menina. Pouco sei do seu livro, pouco sei sobre mim, pouco sei sobre esse parque, sobre esse banco o qual estamos sentados... Pouco sei sobre tudo nessa vida. Mas eu não queria entender tudo que li porque sei muito pouco sobre o meu coração. Isso me causa uma certa angústia!

A moça continua lá, ouvindo calmamente tudo que o homem diz. Ela então olha nos olhos do homem...
O homem continua a falar:

- Lembro quando mais novo adorava jogar futebol com os amigos. Um dia eu quebrei a perna e fiquei sem jogar por três meses. Me senti impotente, os dias pareciam não passar e eu ficava enlouquecido de raiva com aquilo. Meu pai ao chegar do trabalho percebeu que eu não havia almoçado, foi no meu quarto, sentou-se à beira da cama e disse: " Se não comer, ficará fraco. Se ficar fraco, temo que não consigas andar. Se não andar certamente não poderá jogar futebol outra vez. Prefere futebol de botão?" Eu particularmente não preferia futebol de botão apesar de gostar muito. Eu queria voltar a jogar com meus amigos...e por mais que eu não entendesse muito meu pai, entendia que ele só queria o meu bem. A partir daí eu percebi que todas as coisas são consequências de outras coisas. A vida é como um jogo, se eu mudar uma peça aqui, o resultado será diferente lá adiante.

- Desculpe, mas onde está seu pai agora?

- Meu pai se apaixonou por uma italiana, foi embora casar-se com ela e nunca mais voltou.

- Percebi uma certa ausência no seu olhar quando falou dele...

O homem sabe que por mais que tente, ele não conseguirá entender a doce menina. Não hoje. Um vazio toma conta dele, por imaginar que talvez nunca mais tenha oportunidade de entendê-la.

- Esta página é uma parte de você?

- Sim. ( Ela já não sorri como sempre faz)

- Tudo ficará aqui nesta página? As palavras, os olhares, os sorrisos...tudo?

- Espera... (Aproxima-se do homem num impulso imediato, toca suavemente seus lábios, olha intensamente seus olhos e o beija)

Toda aquela lacuna existente está preenchida com um beijo tão cálido e ao mesmo tempo tão sutil. Ele teme que seja o único. Ele quer ficar lá até inverter o possível resultado que virá logo adiante. A moça põe a mão sobre seu peito, afasta-se , ri, outra vez toca seus lábios, levanta-se e então se vai. Ele tenta segurar sua mão, mas é inútil. Ela está decidida e o deixa ali, sem palavras, sem explicações, sem sorrisos, sem olhares... O deixa com saudade.



(continua...)

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Vapor barato? É...mais ou menos isso!


De certo suas calças vermelhas não combinavam com seu casaco de general.
Suas calças eram folgadas e seu casaco era apertadinho demais.
Sem dinheiro pra comprar acessórios, preferiu tirar os anéis do casaco e pôs nos dedos.
Aquele cara tinha cara de malandro, andava sempre tão cansado mas sequer tinha emprego.
Todos no bairro o chamavam de Moicano. Até hoje eu não sei o porquê. Ele era completamente careca.
Dizem por aí que sempre que ele queria chamar atenção ameaçava ir embora. Mas quem se importava? Ele não era muito sociável.
Sua magreza cruel... facilmente o deixava puto da vida porque a modinha naquela época era ser bombado.
Tinha uma coleção de miniaturas de navios de madeira. Muitos ele teve que queimar pois estavam sendo atacados por cupins.
Alguns moradores da pequena cidade achavam que ele vivia bêbado.
Outros achavam que ele era apenas um cara sozinho no mundo.
Eu sempre achei que ele tinha aquela cara porque nunca conseguiu esquecer sua honey baby.
Hoje eu não sei se ele está vivo, doente, triste, feliz ou morto.
Ficou a dúvida no ar desde que ele saiu daquela cidade dizendo que possivelmente voltaria.
Ah, o casaco de general que ele usava foi presente de uma vizinha que havia ficado viúva. As calças eu não sei.


Texto inspirado na música Vapor Barato - O Rappa...embora eu prefira uma versão mais tranquilinha como a de Zeca Baleiro e Gal Costa. =]

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O livro (parte 2)




Sorrindo de nada e para o nada, lá está a moça sentada no mesmo lugar dos dias anteriores com seu livro na mão. Rasga inesperadamente uma página do livro e põe no bolso de seu casaco. Continua a ler...ler...ler... de repente o vento assopra para perto dela uma flor amarela. Ela não sabe ao certo o que fazer, mas pega a flor, vagarosamente olha, olha minuciosamente, põe no cabelo e continua a ler.

Ela está bela e doce como nunca! Seu olhar penetrante medita em pensamentos os quais não se dá pra saber...mas que parecem concretos e felizes.

O dia parece passar mais lentamente hoje. Seu rosto carrega consigo uma inquietude que antes não existia. Talvez seja isso que a faça mais bela que os outros dias. É certo que ela adoraria saber a hora exata nesse momento, é certo que ela esconde algo, é certo que ela deseja algo...

- Bela flor! (Disse o homem robusto que não havia conseguido dormir na noite anterior por conta da moça sorridente).

Impactada com tal surpresa ela deixa seu livro cair no chão. Tenta juntá-lo e logo deixa cair também sua bolsa que se abre e põe à mostra todos os objetos contidos nela. Ele aproxima-se com intenção de ajudá-la...

- Não precisa, obrigada! Estou bem!

- Não queria assustá-la. Estava caminhando aqui no parque e resolvi passar pra ver se você estava aqui. Mas acho que não foi uma boa idéia. Não quero atrapalhá-la...

- Já disse, estou bem! Está tudo bem! Você não está atrapalhando nada. (rs)

A moça finalmente junta todos os objetos e respira fundo... Olha bem fundo nos olhos do homem e nada diz. E ele corresponde o olhar.

- Você é misteriosa como seu livro. Como chama?

- Chame como quiser. (rs)

- Adriana? Marina? Vitória? Izadora?...

- Como quiser. O nome não importa. Independente de nome eu serei sempre esta que você está vendo. (rs)

- Hmm. Sendo assim...gostaria de me chamar por qual nome?

- Prefiro chamá-lo de homem robusto e questionador... (rs)

- Haha. Então menina doce e sorridente... Como chamaria seu livro? Que título daria pra ele?

- Livro! (rs)

- Livro... Me parece um bom título.

- Tenho que ir agora. Você demorou ... (rs)

- Como assim?

- Eu sabia que viria. (rs)

- E como sabia?

- Pelo seu olhar...

- Virei amanhã?

- Certamente. (rs) Tchau!

A moça levanta-se, põe a mão no bolso de seu casaco, tira a página do livro que havia rasgado e guardado, coloca nas mãos do homem e vai embora antes que ele fizesse qualquer pergunta ou dissesse algo.

Ele continua lá... sentado. Lê aquela página como se fosse a única do livro e procura entender o que não é pra ser entendido. Levanta-se e segue seu caminho com uma alma calada e um imensurável deslumbramento.

(continua...)


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Cadeia destrutiva


É solitário o vazio,
É solitário o medo.
O olhar tão sombrio,
O olhar sem desejo...
É apenas solitário o olhar.


Vejo na carne a mesma dor,
O sangue violento na carne crua.
O sangue violento na ferida do amor.
É futuro, é presente...
É fato, invenção.
Os olhos olham pra frente...
E não pisam no chão.
É apenas solitário o olhar.

Será que é preciso contar os segredos?
Será que o zé fulano vai fugir?
Será que as armas continuam afiadas?
Será que os erros devem ser esquecidos sem perdão?
Será que a dona vera já voltou?
Será que o joão beltrano suicidou?


No último domingo estava vazia a cela...
E aos prantos dona vera curvou-se diante os olhos solitários...
De joão beltrano esquartejado por seu irmão zé fulano foragido.
A dor de uma mãe estampada no vazio...
Era a dor da morte do amor.
E seu olhar era apenas um solitário olhar.